Cidade Pródiga
Algum dia quando
eu voltar pra minha velha cidade
limpo de todas as angústias
que me fizeram partir
vou caminhar pelas ruas
salvo das lágrimas
que querem fluir
Vou amaldiçoar o sol que brilhou
no dia em que eu nasci
e os anos que vivi
nos arredores desse lugar
sem nunca pertencer a ele
Vou quebrar o elo de inferioridade
que sempre me obrigou a andar cabisbaixo
Vou orar pelos que sucumbiram antes de mim
e vou chorar pelos que virão
sem que eu possa salvá-los.
Vou encarar a praça vazia
como encarava minha alma
um cintilar de alguma luz, de algum poste
na imensidão do escuro
sem sussuros
nem olhos que contemplem
então ficarei em silêncio
porque nada aqui é digno de minha voz
e ela não pode ser ouvida
em um lugar tão impuro
e minha mão não escreverá
porque minhas palavras não poderão ser lidas
não há olhos aqui que consigam ver
nem coração que aguente o sentido
do verbo.
E então,
serei celebrado como seu filho mais ilustre
mesmo com meu anseio de emancipação
e a vergonha que dilacera meus genes.
Minha origem.
E vão querer conhecer esse lugar imundo
porque acharão que muito de mim se deve a ele
e o verme um dia odiado em terra tão ordinária
fertilizará seu habitat original
e no final
colocarão alguma inscrição em minha lápide
e um epitáfio que mentirá dizendo como fui honrado para esse lugar
e como me amaram
sem saberem que nunca fui daqui de verdade
e ai nunca mais precisarei sentir o cheiro podre
que emana de minha velha cidade.