Cidade Pródiga

Algum dia quando

eu voltar pra minha velha cidade

limpo de todas as angústias

que me fizeram partir

vou caminhar pelas ruas

salvo das lágrimas

que querem fluir

Vou amaldiçoar o sol que brilhou

no dia em que eu nasci

e os anos que vivi

nos arredores desse lugar

sem nunca pertencer a ele

Vou quebrar o elo de inferioridade

que sempre me obrigou a andar cabisbaixo

Vou orar pelos que sucumbiram antes de mim

e vou chorar pelos que virão

sem que eu possa salvá-los.

Vou encarar a praça vazia

como encarava minha alma

um cintilar de alguma luz, de algum poste

na imensidão do escuro

sem sussuros

nem olhos que contemplem

então ficarei em silêncio

porque nada aqui é digno de minha voz

e ela não pode ser ouvida

em um lugar tão impuro

e minha mão não escreverá

porque minhas palavras não poderão ser lidas

não há olhos aqui que consigam ver

nem coração que aguente o sentido

do verbo.

E então,

serei celebrado como seu filho mais ilustre

mesmo com meu anseio de emancipação

e a vergonha que dilacera meus genes.

Minha origem.

E vão querer conhecer esse lugar imundo

porque acharão que muito de mim se deve a ele

e o verme um dia odiado em terra tão ordinária

fertilizará seu habitat original

e no final

colocarão alguma inscrição em minha lápide

e um epitáfio que mentirá dizendo como fui honrado para esse lugar

e como me amaram

sem saberem que nunca fui daqui de verdade

e ai nunca mais precisarei sentir o cheiro podre

que emana de minha velha cidade.

Eliézer Santos
Enviado por Eliézer Santos em 02/08/2011
Reeditado em 04/08/2011
Código do texto: T3135917
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