ENCONTRO COM MINHA SOMBRA

Estou presente nestes versos

De corpo inteiro,

De sangue inteiro,

De coração inteiro

Na inteireza deste momento,

Único na eternidade do pensamento,

Vário no universo do sentimento,

E na ausência de rumores externos!

Fico de frente para o espelho,

E o que vejo não é meu rosto,

Vejo, no reflexo do espelho, pávido,

Meu inimigo, meu rival, meu oposto!

Abro o féretro da minha noite eterna,

Onde guardo lembranças silentes, restos

Mortais dos desejos ardentes que evito olhar

Quando, no horror do pesadelo, tento acordar!

Sinto os minutos e as horas fanarem,

Os dias e os meses fanarem, e a vida ligeira

Morrendo nos braços dos anos que passam

Sem pedir licença, como passam os ventos!

Então percebo que minha fugacíssima presença

Neste mundo, bólido ruidoso, não faz diferença

Para o tempo, que corre num ritmo alucinante,

Nesta corrida alucinada da vida contra o tempo!

Fixo minha visão no espelho, na imobilidade

Ansiosa do encontro com minha sombra!

A pele do meu corpo se arrepia de emoção,

Como o clérigo que recebe a ordem sacra,

Mas os poros da minha pele não se eriçam

De devoção, antes ardem na animosidade

Febril do fogo das geenas que me atiçam!

O calor funéreo descora minha face toda,

Acometida pela vertigem da horripilação!

Em vez de refletir meu rosto pálido,

O espelho revela a palidez do tempo fanado,

No amargo regresso a um sonho enterrado!

Por um instante, recordo o cavaleiro andante

Que percorreu as longas estradas da existência

Construindo na imaginação castelos de sonhos

Que a ingratidão reduziu a entulhos tristonhos!

Depois de percorrer todas as desgraças, todas as ruínas,

Destroços de todas as praças, de todas as esquinas,

Por onde cavalguei tantas vezes em busca da felicidade,

Meu pensamento, cansado da viagem, fica prostrado

Sobre o túmulo onde, numa hora profunda,

Sepultei minha mais cervantesca quimera,

Consolado pelos beija-flores da primavera!

Meu coração é visitado pela saudade

Sempre que leio nas páginas da lembrança

O ideal verdadeiro que amei de verdade!

O sonho, de todos o mais lindo,

De todos o mais sincero, que outrora

Imaginei eterno, eterno não seria!

Nuvens de amor no céu sorrindo

Vão embora nos ventos, como o brinquedo da criança

Que dorme com ele até um novo despontar da aurora,

Vivendo o sonho ingênuo da eterna aliança,

E crendo ser eterno o sonho, um dia

Essa criança cresce, e seu brinquedo joga fora!

Minha alma queria descansar na fria sepultura

Em que jazia o sonho mais belo que já sonhei,

O doce que o tempo, este ladrão invisível da beleza,

Tirou das minhas mãos, o amor mais doce que provei!

Ainda vacilante, minha alma despertou dessa aventura,

Como desperta, de repente, a alma delirante do suicida

Que se mata na solidão mais angustiante da tristeza,

Derradeiro ludíbrio das desilusões da vida!

E como o suicida que hesita entre a sombra e a alvura,

Hesitei também entre a dor do luto e o albor da alegria,

Mas minha alma, curvada sobre o abismo que se abria,

Encontrou no perdão o remédio para sua amargura!

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 25/06/2012
Reeditado em 27/08/2013
Código do texto: T3743944
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