Memórias sem grades

Inspirado em "Cavalo das almas"

de Alice Gomes

"Minha querida dinda no RL"

Memórias sem grades

Todas as réstias de luz

Que saem pelas frestas das janelas

Do porão e do sótão da minh'alma

Me fazem lembrar cada canto daquela casa.

Do fogão à lenha, tormento da minha irmã,

Da cobra que veio visitar a cozinha,

E se escondeu embaixo da cama, com medo de gente.

Das aranhas caranguejeiras e dos besouros

Duas ou mais vezes maiores que a pequena unha

Do meu dedo polegar.

Meu carrinho de rolimã

Minhas bolinhas de gude

Meus pés de jabuticaba...

(Do livro) Meu pé de laranja lima - de José Mauro de Vasconcelos

E do poema, "Navio Negreiro" de Castro Alves.

Nos rios cristalinos

Mergulhos de meninos

Vindo à tona

A inocência da idade.

Lembro-me:

Do primeiro encanto,

Do primeiro desencanto,

Do primeiro amor...

Da primeira masturbação

Da primeira ejaculação

Da primeira experiencia sexual

(Com uma meretriz)!...

Da primeira cicatriz

De um tombo

Não me lembro dos escombros

Que depois a vida me fez.

Minha irmã, muito jovem, recém casada

Mudou-se com o marido dentista, que gostava de caçada

Para (naquela época) um lugar longe do mundo

E eu incluído no pacote.

Lembro dela (minha irmã)mostrando-me o prefeito da cidade...

Nunca tinha visto um filme de bangue-bangue,

Senão perguntaria: É o mocinho ou o bandido?

Além de ser prefeito, dono do único cartório da pequena cidade.

"Meu sonhado e conseguido segundo emprego"!.

O primeiro, no consultório dentário do meu cunhado e do irmão dele,

Homem casado e muito mulherengo...

O que vi pela fechadura da porta do consultório, dariam muitas estórias.

PS. Não está mais entre nós, há muito pouco tempo,

Meu querido, saudoso amigo e concunhado "Celso Pinto".

Lembro-me do dia da minha primeira aula.

Eu havia comprado, para o grande dia, um par de botas...

Quando cheguei à escola, as portas estavam fechadas.

Todas a luzes apagadas! Corte de luz, era coisa sagrada.

Uma multidão de meninos e meninas

Aglomeravam-se na farra dos adolescentes.

Fui, entre tantos, o escolhido para cristo

E sofri o primeiro e único "bulling" na minha vida...

Aquela multidão de maldade desconhecida

Gritava em uníssono,

Estrondoso eco que reverberava em meus ouvidos!

Gato de botas!... Gato de botas!... Gato de botas!...

Fingi que não era comigo e fui saindo de mansinho,

Era muito pequeno para minha idade e muito franzino.

Me defender daquela molecada toda, impossível...

Seria a primeira turma de formandos da cidade de Rondonópolis,

Interior de Mato Grosso.

Era início dos anos sessenta e Roberto Carlos, já mandava

"...E que tudo mais vá pró inferno"!...

O jovem RC, já sabia das coisas, mais tarde, tornou-se rei.

Como eu gostava do diretor da escola

E das aulas de canto, ministradas por ele,

Que sempre mandava eu baixar um pouco a voz,

Acho, que desde aquela época,

O meu inconsciente sabia que iria viver de música.

Que homem dedicado a sua profissão...

Quanta sabedoria, delicadeza e talento!

Lágrimas escorrem dos meus olhos, de saudades...

E uma ficou cristalizada do lado esquerdo do peito!

E meio sem jeito, abraço todos, que fizeram parte dessa história.

Tony Bahia

Maringá - PR - 30.06.012 - 21:57

Tony Bahia
Enviado por Tony Bahia em 30/06/2012
Reeditado em 04/07/2012
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