Considerações sobre um nome registrado em cartório

Fizestes fábula, cria e a recria

em cada uma das contadas.

Não passa o aperto,

não mudam-se os erros:

não há remédio que nos livre,

se não o traumatismo, das lembranças.

Um cuspe na cara, um tapa,

um ladrãozinho carente de brincadeira.

Um sem-futuro promissor na área,

um sem-boca para nada, nem para um grito,

nem para um choro: um apagador na cabeça,

um chicote de arame nos braços do lar.

Nunca tivestes o que montar,

brincastes só redimido, de favor.

Nunca tivestes um olhar que vertesse

a mira para dentro de tua cabeça.

Nunca tivestes nada, desde menino.

Agora crescestes, és adulto.

Agora trabalhas, dás de comer a si,

teu estômago e teu cérebro.

Agora amas e sentes amor.

Agora, mais do que ainda como antes,

não tens um nada sequer. Não tem!

Tens uma cama de molas barulhentas,

um coração mais barulhento ainda.

Tens um frio na barriga, um choro,

tombado para dentro, vindo não se sabe donde.

Tens uma mulher machucada na cama,

dormindo o sono da inocência e do cansaço;

pálpebras arbitrariamente cerrantes,

desiludidas do teu peso enorme.

Quem te afaga o sono é apenas a cama velha.

É ela quem aguenta e geme as molas a noite toda,

pois nascera de pés quebrados e fugir-te não pode.

É ela quem te envolve a massa nos arames,

carinhos doces nesse teu corpo peludo e feio,

sem intermédios, de caminho reto até os ossos.

Nascestes e não tivestes.

Crescestes e não tem!

Terás? Deveras que terás algo, não?

Ah! sim! Terás…

Pois bem, viverás então?

Não viverás e não morrerás,

não tens nenhum direito,

salvo o de não tê-los, garoto.

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 22/12/2012
Reeditado em 23/12/2012
Código do texto: T4048194
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