Lembrança

Descrever o Grande Canal

E as inúmeras pontes da cidade

É viajar a 1930.

As gôndolas e seus gondoleiros

Remam doce, ao sabor do vento.

Os barcos a motor são poucos.

E ostentam os filhos abastados

Das famílias menos tradicionais.

As vielas, as sacadas antigas

Adornadas com flores pequeninas

Quase denotam uma grande tristeza.

As “portinhas”, dos comércios,

Expõem as máscaras imponentes.

Tão ousadas, cheias de requinte.

Fazem par com fantasias

Bordadas a fios de ouro.

Os nobres usam

Para esconder o desejo da realeza.

Os plebeus admiram,

Tentando decifrar a face por baixo da máscara.

As anáguas em tom pastel

Contrastam com o rosa-amor

Do amor de juventude.

Tão doce para os poucos anos vividos.

Tão impróprios para os olhos do pai.

À custa do amargo

O espartilho suga o ar.

Suga o desejo da felicidade.

O som do violino, à noitinha,

Embala o luar dos amantes.

Tortura os pensamentos impossíveis.

As cortinas grandes e pesadas

Escondem o anseio em criar asas, alçar voo.

Aos poucos, o que se vê

É o coração petrificado

E a descrença na justiça.

A justiça dos homens é oportuna!

Só justifica que pode.

Quem joga tostões à mesa,

Em troca do que deseja possuir.

As cartas, raras,

Deixam nas mãos o suave perfume amadeirado.

Fruto doa anos.

Submersas em caixotes de carvalho ou imbuia.

Os brincos de pérolas

Estão tão amarelados quanto o desejo de sorrir.

Os minuetos, nos grandes salões,

Pouco importam.

Os rodopios vão ficando sem brilho.

Os vestidos de festa, com tom de algodão cru.

Devagar, as pérolas do colar

Arrebentam-se, rolando uma a uma.

Pela escada com degraus de mármore e veludo.

Já não há querer que sobreviva.

Já não há violino que soe doce.

Já não gondoleiro que encante.

Nem corset que não aperte a alma.

Que não sufoque por dentro e por fora.

As madeixas longas e ao lado,

Presas com presilha de ouro e pedras,

Pouco enfeita os pensamentos.

Pouco adorna os sentimentos.

Pouco encanta quem quer que olhe.

Já não há interesse maior

Já não há nada mais que respiro...

Que suspiro triste

O amor além das águas.

É nelas em que me afogo.

É nelas em que busco o elo perdido.

É nelas em que deixo a pele, os cabelos

E alço voo.

Rumo ao que sempre busquei.

Rumo às lembranças doces

Postas aqui; agora, no papel.

São elas, as lembranças,

Que brotam dia e noite

Em especial quando o violino toca.

Quando a melodia entoa canções de amargar os olhos.

E agora, nessa vida,

O amor tão desejado

Segue todo amarrado

Mas sem sufocar ou amargar.

Segue doce, agradável.

E não há tostão algum

Que possa comprar

O que de mais precioso

O homem possui dentro d’alma.

HELOISA ARMANNI
Enviado por HELOISA ARMANNI em 25/05/2013
Código do texto: T4307995
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.