Olhares em silêncio

Chovem palavras nestes versos,

Na umidade de um orvalho,

Tantos prantos choram imersos

Ao pendor desse carvalho.

Meu amigo de tantas brisas,

De tantas horas compartidas;

Confidente das secas risas,

Agora, peças apodrecidas.

Tanta dor a que ouviste

Sem abastar-te de me escutar;

Desilusões da aurora triste

À meia-noite quando chegar.

Respaldo da luz austera

Que me abrasava o soturno olhar;

Lar âmago que me dera,

Tuas asas soltas ao luar.

Somente as folhas em teu abraço

Adornavam-me os instantes,

Quando de sonhos, escasso,

Me os tocavam, sedantes.

Sem mensagens a dizer,

Mera presença que me lembrou,

À espera do alvorecer

Que à vida o fogo já lhe apagou.

Lembrar-me-ei do sutil toque...

A magia de um ciclo que se acabou:

O verdejar da folha à cinza do choque

Ao níveo solo que me acobertou.

Tantas têmporas enfrentamos

Onde vastas lágrimas derramamos

Pelo charco do mundo que nos magoa;

Outrora secas que definhamos

Na alma pura que nos guardamos

Pelo amor fundo que não mais ecoa.

Vimos o apagar das estrelas

Quando o tempo a hora lhes roubou;

Mas pensava eu as horas tê-las

E, insipiente, o eclipse nos chegou.

Natureza envelhecera,

Aos poucos, meu amigo adoeceu;

Falar-me em folhas não mais pudera,

A frondosa sombra já se encolheu.

Acompanhei sua despedida:

Suas raízes extinguindo-se;

Tão livre ao céu sua subida

Tão réstia seiva desnutrindo-se.

Em dias perdeu toda sua fala

E ele ensinou-me outra lição:

A beleza do silêncio nunca se cala,

Seus olhos traduzem mais que oração.

Mas nessa vida, há dualidade

E o calado som mostrou-me seu açoite...

A morte em sua passividade

Me tragara amizade no pernoite

E, tal madrugada que lega vontade,

Me deixara saudade além dessa noite.

O vento fez seu papel de coveiro

E levar tentou os restos da lembrança;

Mas a ausência é um nevoeiro

Que nos ilude nessa mudança.

Por tempos a janela desse jardim

Alumiou um ícone de esperança;

O horizonte na tela de um sem- fim,

Na expansão de um amigo de infância.

Herdado do teu semblante

Te tenho aqui, como caroço;

No devaneio de um ato inebriante

A realizá-lo mais que em esboço.

E nessa solidão

Menor agora que represente,

Que plantada, à minha mão,

Me acompanhe o broto dessa semente.

Caso antes autor sou da despedida

Te entrego então meu único presente:

O amor que à minha vida,

Te deixado ao olhar eternamente.

E se, replantado não posso ser,

Levo-me em grão ao pouso desta terra,

Onde o corpo, me vás proteger

Onde a alma, em teu renascer se me encerra.

Vitor Barros
Enviado por Vitor Barros em 13/09/2005
Código do texto: T50197