CRÔNICA DE VIAGEM: O MENINO E O LEITEIRO
Quando criança
brincava sozinho, brincava
sem saber que todas as crianças
brincam sozinhas.
Esta criança desenhava,
desenhando brincava de desdenhar tudo
porque tudo lhe parecia ser a última vez.
No chão imaginado
esticava a linha de um território gigante
tão grande que ia do muro à rua
e dali até as casas para depois delas inventar a cidade.
O circulo depois, depois do circulo
o circulo engolia a estrada, o campo e as vilas.
A linha estendida cobria a estrada imaginada,
pontilhava a terra saída do chão e os mourões agora caiados de branco.
Tudo era desapropriado.
Nada machucava a criança que era um menino
um menino que tinha estrelas mágicas na ponta dos dedos.
O circulo é mágico porque tem poderes sobrenaturais,
mas isso é segredo que não se conta nem para as formigas.
As rosas sabem porque ouviram dos enormes pés de couve que têm vida curta.
Não se pode confiar em quem vive tão pouco.
As estrelas que brilham na ponta dos dedos
Iluminam o circulo por dentro, iluminam o desenho, iluminam o menino que vive no escuro, iluminam tudo.
As estrelas migram da ponta dos dedos
e toda noite bordam no céu uma lindeza.
As matas fechadas sobre o caminhão do leiteiro
acordaram cedo, as matas nunca dormem.
O caminhão dorme motor desligado, toda gente dorme.
Fora do circulo, só o leiteiro surpreenderia.
De fora do circulo inventado de mentirinha
o menino brinca de inventar sozinho.
O leiteiro diz bom dia, será que ele nos via?
Entre os enormes galões de leite fresco,
na boleia do espaço nave, dentro do circulo gigante
tudo ficava tranquilo do lado de fora.
Mas o leiteiro disse bom dia,
ele desfaz o circulo e as linhas quando diz bom dia.
O leiteiro se mostra sorrindo antes de tomar a direção
e olha dentro dos olhos do menino.
O leiteiro parece mesmo ter dito bom dia.
O leiteiro faz tudo sem esforço mas não tem pernas.
Vai conduzir o caminhão e toda gente segura lá no alto.
Ele levanta do chão seu corpo mutilado para dentro da cabine.
É verdade,
o leiteiro motorista sem pernas sorri para o menino
e dirige e o leva para fora do circulo.
Antônio B.