Esta poesia foi escrita por minha avó, uma mulher que só estudou  até a 4ª série primária, mas era dotada de uma incrível inteligência e cultura.
Casou-se aos 15 anos com meu avô que era da Marinha, mas que desta foi expulso por abraçar o comunismo como ideologia, minha avó sofreu o " pão que o diabo amassou" em uma vida de perseguição e com treze filhos para criar, mais tarde meu avô, após ser preso e torturado, chegou a conclusão  de que abraçara a causa errada e se afastou da política, muito doente faleceu em 1968 e minha avó prosseguiu encantando a todos com sua vasta experiência de vida, nos deixando em 1992.
Foram muitas poesias escritas e esta foi uma que conseguimos resgatar nos guardados da minha mãe.

ÚLTIMO POEMA

Criei-me além, na roça...
em paupérrima palhoça...
porém rica em amor!
Corria pelas campinas...

e subia nas colinas...
brincava no prado em flor!
Ao chegar a primavera...
Oh meu Deus! Que lindo era...
no verdejante pomar...
escutar a algazarra...
de barulhenta cigarra...
e dos pássaros o trinar!
Eu achava tudo lindo...
adormecia sorrindo...
e despertava a cantar...
sonhava o dia inteiro...
um sonho doce e fagueiro..
em magia a me embalar...
brincava noite e dia...
em tudo achava poesia...
no céu, no campo e nas flores...
e as manhãs ensolaradas...
tinham vida, luz amores!
Como amava as criaturas...
achava-as boas e puras...
o mundo era todo amor...
e como me comovia..
a luz do raiar do dia...
o desabrochar de uma flor...
uma rolinha voando...
o sabiá gorjeando...
causava-me devaneio... 
e o formoso gaturamo...
saltando de ramo em ramo...
me deixava em doce enleio!
Mas o tempo foi passando...
pouco a pouco me mostrando...
o mal que o mundo contém...
deixei os bosques floridos...
e perdi entes queridos...
vim p'ra "terra de desdém"
então conheci a maldade...
a perfídia, a iniquidade...
a hipocrisia, a traição...
e minh!alma ávida de amores
conheceu os amargores...
da cruel ingratidão!
E magoada chorei tanto...
e no meu amargo pranto...
cheguei a conclusão...
que somente nas alturas...
existem almas puras...
o amor e a gratidão...
olhando o mundo de frente...
da maldade indiferente...
passei das trevas à luz...
então minh'alma ferida...
cansada desiludida...
refugio-se em Jesus.


Sebastiana Emmanuel da Motta

 
Sebastiana Emmanuel da Motta
Enviado por HILDA STEIN em 13/09/2016
Reeditado em 13/09/2016
Código do texto: T5759862
Classificação de conteúdo: seguro