Meu porão
Perdido, assombrado e saciado
nas névoas da confusão demoníaca -
há tanta obsessão compulsiva
por coisas tão baixo estato
Retardado, em abundantes sensações
como que limitado a poucos pensenes
estritos, direcionados a certas visões
e às razões mais perenes
Que, após o gosto acetino do éter
se formavam sobre o rosto avoado
alheio aos fatos, manchando o suéter
de álcool e da tristeza o caldo.
São tantos amigos, e tanta festa!
E tão deprimente! Que eu saía;
Eu reservava minha orelha besta
para chamar a dor que já vinha;
Eu ouvia Salvia Plath, e me encontrava
com o que sabia estar esperando,
e que durante os dias vai escapando
dos cerebrais memorandos;
Tonto estava menos anestesiado
que lúcido, sóbrio, pleno em sentidos;
O real irrompia demasiado
sobre os ignorantes ouvidos.
E obscuro o peito se manifestava
pulsando a angústia já remoída
tornando o que doendo não estava
nítido como o fracasso e a recaída.
Como uma incorporação, eu sentia
as palavras vindas do fone, ecoando,
pois me representavam, me cabia
essa melancolia de fino pranto.
Abafado, literalmente abafado
pela sombra, eu vinha cambaleando
pelas ruas; deitado de lado
nas cadeiras do ônibus, sacolejando.
Tarde, o orelhão hasteado na calçada
sob a luz do poste, dourado, eu olhava
pensava em usá-lo, como fiz, para nada,
para manter a decadência que eu amava;
Para me matar, quanto mais melhor!
E lamentar sem saber, contra o vento,
por escolher, sem alternativas, o pior,
por outros meios que não o lamento.
Jogado naquela grama já conhecida
cheia de copos de plástico quebrados
eu engolia a vodka barata engarrafada
no vidro onde eu apertava meus dedos
E hora entornava, hora cantava,
e, quando a soltava, no balanço,
ou na escada, eu descansava,
da fantasia, nesse descanso
De água, pelo rosto liso
e escorraçado, na lã suja
de meu casaco. No copo que piso
e que chuto com tanta ojeriza;
Com tanto prazer deste asco!
Desta amargura à vida, a se tornar
tão tácita nesse recorrente estado,
a infelicidade presa e a cobrar,
Nos entremeados do entendimento,
nas névoas da realidade apreensível -
Tão fácil ter bebido, mas tão lento!
Tão dura a realidade e tão difícil!
Absolutamente longínqua,
e pouco notável, mas presente,
como nunca, entre os dentes,
como o parafuso que não finca
Essa treva, eu engolia treva,
pegajosa e imunda, se agarrava,
gosma etérea, me toma e leva!
Leva este fracasso com cachaça!