Ajudante de coveiro

Claudiolino cresceu numa subida de rua,

dessas que a noite bêbado nem se atreve,

mas menino naquele tempo não bebia

e só muito depois veio a escadaria

e foi nela que ele aprendeu,

o que é subir e o que é descer.

Do outro lado, da varanda da sua casa,

via-se o cemitério, exatamente como são os cemitérios,

com aquele ar cheio de mistérios ocultos no além

e como lhe transmitia paz aquele lugar.

Inclusive para estudar.

Menino não gosta muito de estudar,

mas Claudiolino gostava.

O nobre coveiro, um cidadão comum,

cuja missão era sepultar,

até já o conhecia e era para ele que pedia,

ajuda naquilo que já não mais conseguia fazer.

Surgia aí então uma amizade entre o despachante

e uma futura encomenda que ainda não estava pronta,

talvez para assegurar que quando estivesse pronta,

não seria despachada para qualquer lugar.

E como era bom ali meditar e sonhar.

Na semana de Finados, para ser visitado e iluminado,

para guiar os passos daqueles que já tinham partido,

tinha o coveiro que arrumar as instalações,

trabalhando sozinho, por três ou quatro,

sem nenhuma proteção das Leis Trabalhistas

e tão somente com disposição, fé e boa vontade,

pois com certeza ele sabia, que seria para lá,

que mais cedo ou mais tarde ele iria.

E ainda assim sorria o velho coveiro cansado.

Os pedidos particulares passava para o menino,

como a limpeza do sino do túmulo suntuoso

ou assentar a coroa nova de flores,

no jazigo da dona rica Dolores (quem foi, quem é)?

A pasta cara nas lápides raras de mármore

ou simplesmente uma tinta, bem mais ou menos,

naqueles que eram só de alvenaria.

O menino fazia e se fazia,

só que de vez em quando, por picardia,

fingia que se confundia e trocava os presentinhos,

dando para o pobrezinho, coitadinho e sem nenhuma flor.

Mas o bom e calejado coveiro não via.

E isso lhe garantia uma muda de roupa nova,

o passeio e o sorvete na praça,

sem que sua família sequer suspeitasse.

Isso não é obra da ficção.

A cidade tem nome.

O bairro tem nome.

A escadaria tem nome.

O cemitério tem nome

e o coveiro também

ou ainda tem ou um dia já teve.

(E Claudiolino não é o verdadeiro nome do menino.)

Algum dia alguém também vai cuidar de nós,

quer queiramos ou não,

mas se for ainda em vida,

sem dúvida que será um tanto quanto melhor,

concordam ou não?

Aquele menino não mais mora,

tão próximo a nenhum cemitério,

mas quem disse que os mistérios da existência

findaram?

Todo ensinamento é válido.

Todo Sacramento é sagrado.

Aquele coveiro precisou de ajuda,

para que pudesse continuar ajudando

e alguém agora e nesse exato instante,

pode estar precisando de você.

Não é por acaso,

que tantas plantas são trocadas

e sempre num mesmo vaso,

enquanto o discípulo do samurai vai aprendendo também a lutar.

O longe -e aprendi com a Solange,

pode estar tão perto

e que até no deserto,

pode, sim, brotar jasmim.

Basta que o solo seja bom.