O quintal assombrado
Há um pedaço do homem que ficou na velha casa
Há tempos deixou a velha casa, mas ela nunca o deixou
Ela sobrevive em suas lembranças
Leva-o para seu interior quando bem lhe convém
Logo se vê no grande alpendre que dá para o quintal
Seu quintal é a serra, colossal, apoteose verde
A grande mangueira o saúda imponente
Em suas raízes ele voltará a impulsionar o carro a fricção
Mas carro de fricção não serve em areia de serra, areia escura
É necessário involuir, portanto o carrinho já não é mais de fricção
Nada moderno funciona no quintal, tudo é verde, frio, calmo e tranquilo
É o quintal dos macacos, das raposas, do córrego de inverno e dos guaxinins noturnos
À noite a escuridão escorrega da serra e invade o quintal
Ela desliza por sobre as árvores e põe a correr o medroso menino e seu carrinho
"Foge menino, pois a noite reclama seu reino" diz ela prontamente atendida
A noite é a hora da casa, da grande casa com data de construção - 1915
Acima, muito acima, as velhas carnaúbas escuras e tenebrosas sustentam o antigo telhado
O menino sabe que se olhar pra cima pode ver um fantasma ou um demônio
O medo o faz aproximar-se de todos, visitas que se encostam na porta dupla pra assistir tv
E bebem café, e conversam e gritam e brigam e riem num frenesi assustador
Vozes de homens, raros em suas lembranças, para ele as tias é que governavam
As muitas tias, primas, vizinhas... sempre as mulheres
Os homens?... andarilhos ocasionais
Na velha rede, olhar a mãe a rezar, pedir a "bença" e rezar também
Pedir a Deus pra dormir logo e não ter que ir ao banheiro e não ver barata, aranha nem fantasma... que amanheça logo Senhor!