MOINHOS DA VIDA

Adentrei a este mundo pelas mãos de uma parteira negra e risonha.

Mãos simples e com calos me arrancaram para o seio da vida.

Cheguei como chegam os meninos do interior

Com água quente, gemidos, rezas e palavras de fé

Some-se a isso as dores do parto da mãe guerreira,

Dividi o universo uterino com uma irmã,

Assim parecia que o destino me predestinava à necessidade de repartir. Cheguei em um mês de setembro, logo que este se abriu.

Quando a primavera ainda se preparava pra vestir a terra com suas novas roupas, no caprichoso ciclo da estação.

Soube que chovia e que os campos já vinham sendo preparados para o plantio. As sementes estavam prontas e à espera para cumprir os desejos da terra.

Nasci em uma casa simples de chão de cimento vermelho!

Num pequeno sitio alumiado por lamparinas e vaga-lumes, esquecido nos ermos confins tropicais da pequena cidade de Iacanga.

Encravada na bacia do Tietê, um oco de mundo, na longínqua e rural década de 50.

Meu pai era um trabalhador, sonhador , contador de estórias e amante silencioso da vida! Era também destemido. Pois 12 filhos do mundo e cuidou de todos. Minha mãe era tecida dos fios da simplicidade e de fibras inquebrantáveis. Dona de uma grande energia e devotada à sua sina de mulher!

Assim nasci lambuzado de terra, sangue, amor e obstinação!

Cresci em uma família numerosa e irrequieta. Desde cedo descobri que havia de defender o meu espaço e dar valor à luta pelas coisas.

Nunca chegamos sequer às portas da riqueza. Mas éramos medianamente abastados para os padrões do lugar. Meu pai tinha dois sítios em que se plantava café, arroz, milho e outros produtos. Hortas vedejantes, eram os jardins d nossa infância. Todos trabalhavam desde cedo. Nunca esquecemos o valor do trablaho. A maior lição que nossos pais nos deram.

Assim, jamais nos faltou comida à mesa.

Mas por outro lado, cresci muito próximo às vilas paupérrimas e convivi desde cedo com as garras da pobreza! Meus amigos eram os meninos destas vilas, todos pobrezinhos!

Ouvi o ronco da fome e descobri a importância da solidariedade!

Dividi a vida com estes rostos e almas humildes. Assim neste ambiente, aprendi a crescer para o mundo e entender suas mazelas.

Compreendi as lições de fé e de esperança dos desvalidos. A entender suas escalas de dificuldades!

Compartilhei com suas apreensões e medos. Vi como se resignavam diante do impossível. Como sonhavam com o improvável.

Como aceitavam a rudeza da vida e driblavam suas dores! Confiando sempre na mão invisível da fé.

Foi assim que descobri Deus e sua ligação com os desprotegidos!

Lembro-me dos seus aforismos a respeito da dificuldades:

- O que não tem remédio, remediado está!

- O que Deus dá o homem agradece, o que não dá, o homem não merece.

Assim aceitavam o vaticínio e a penitência de suas vidas miseráveis, que lhes coube nesta existència. Sempre me identifiquei com eles.

Creio que isso me ensinou a valorizar mais o ser humano, a vida e a não sucumbir diante das dificuldades. Aprender também que se tinha que viver do suor do próprio rosto e confiar em Deus.

Mais tarde, sozinho em Sâo Paulo, enfrentando a vida é que senti quão importantes foram aqueles ensinamentos, quando rompi o cordão umbilical e sai do casulo do lar.

Estas lembranças, sempre constantes, da conviência com este mundo com pessoas tão verdadeiras, tao simples e tão humanas, reforçou também minha fé nos homens, na vida e na humanidade, o que contribuiu para manter-me o espírito de luta e ao mesmo tempo minha ligação onírica, com o cordão umbilical da esperança, por conseguinte dos sonhos, nunca rompido, o que me levou, mais tarde à poesia.

Sempre sonhei para lá dos meus limites, a vida toda! Bem mais que devia. Pior que ainda sonho mesmo quando a maturidade já me mostra outros parâmetros e outras faces da realidade. Pois sonhar me fez descobrir que era o caminho mais mais fácil para respirar e viver.

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 01/10/2007
Reeditado em 06/09/2016
Código do texto: T676624
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