As nossas mãos...
 
Este poema custa-me a revelar, pois, velar as nossas mãos a outrem, antes deveria...
 
Só agora, depois que quase meio século se findou, fim dou à uma indecisão:
Falo das nossas decrépitas mãos?  
Ou das nossas jovens mãos devo falar? 
Ou ainda, do pudor, devo ultrapassar a fronteira,
para livremente comentar,
tão somente sobre as mãos de uma de menina, que fora a minha paixão
primeira?
 
Decidi: falo dos nossos dissimulados olhos que aos ingênuos olhares, se
encontravam atentos
pois, sob a mesa em um tórrido conluio,
nossas mãos estavam às ordens de cálidos alentos.
 
E entre nós, estava o olhar do irmão, que de quando em vez,
voltava-se ao nosso jogo, admirava-nos, e creio, assim nos julgava:
— Que destro casalzinho! Só com as mãos sinistras, a jogar xadrez!
 
E ainda havia entre nós, também, tão bem acordados,
os olhos da irmã mais velha, que a recordar da sua própria experiência,
vez ou outra, ou antes, sempre, à denúncias os deixavam vendados,
ainda que se agastasse a gastar a sua minguada paciência...
 
Lembrou-me ver mais um par de olhos:
os doces olhos da mãe; agora míopes e cansados,
estavam incapazes a suspeitar das mãos novas,
pois, as suas quando jovens nos dias velhos e apagados,
não ansiavam por ariscadas provas...
 
Por fim, falo dos olhos de uma outra irmã, ainda inocentes,
portanto, incapazes a perceber da libido, o mais leve ato.
Olhos ingênuos! Quando não se ocupavam com as bonecas, ao alcance
das vistas, deixavam um gato.
 
Animal impertinente! Não era da casa, antes, a casa lhe pertencia.
não bastasse seu aguçado faro aos sutis odores e ao mínimo movimento,
a quebrar a cadência das nossas lépidas mãos, eriçava a calda e entre os
nossos pés, permanecia.
Contudo, para nos compensar por tanto tormento,
o vira-lata à-toa, latir nem mesmo atinar podia.
 
Voltemos às nossas mãos, as direitas.
Mãos ativas e excitadas, que sob a mesa, foram audazes,
agora, de volta ao seu lugar habitual, chegavam quase refeitas,
porém, ainda que estivessem um tanto flácidas, para dissimular o intenso
brilho dos nossos olhos, não foram capazes...
















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Eugene Garrett
Enviado por Eugene Garrett em 06/02/2020
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