O MILHO VERDE

O MILHO VERDE

Paulo Gondim

19/10/05

Manhã de abril, o mato em flor

A chuva passou, pois enfim chegou

E trouxe de volta a vida.

Já quase esquecida

De tudo perdida

Do pouco que sobrou.

Mas, enfim, era abril e o mato em flor

Não só o mato, mas as cercas

Os açudes, os barreiros, as cacimbas

Um cheiro de mato verde, de prado

Enchia o ar no seu esplendor

Um cheiro bom,

Perfume dos deuses

Soprando a favor

E como prova de resistência, o milho

Milho verde, milho em flor

Grãos de ouro no corpo de bonecas loiras

De cabelos vermelhos, amarelos, escuros

Grãos de milho, caroços de milho

Contraste da fome, para matar a fome

Enfim o milagre!

E vi meu pai sorrir, agradecer a Deus

Sua prole seria alimentada

Ouviria os gritos alegres de seus filhos.

E o cheiro de milho verde invadiu a casa

Casa simples, uma porta de entrada

E uma janela pequena,

Perdida na imensidão da parede de taipa

Chão batido. Nenhum móvel

Apenas uma forquilha de angico

Segurando o pote

Os canecos dependurados.

Desfolhou-se o milho verde

Cheiro gostoso, forte, próximo.

Do milho veio a pamonha

Farta, grossa, com caroços inteiros

Amarrada ao meio

Com embiras de palha

Fonte de vida

E todos comeram, com gosto

Um banquete divino!

Todos, homem, mulher e meninos

Vários meninos

E se fartaram

E celebraram

A mesa farta

E venceram a fome

Como numa festa longa

No final do dia

Foram se deitar

A balançar as redes

Todas remendadas

Parecia arte

Ou necessidade

E todos cantaram o que sabiam cantar

Contaram estórias, riram,dormiram

De barrigas cheias, de felicidade

De vencer a fome

De poder sorrir

De poder dormir

Como é belo o milho !

Rubens Braga já falara

de Seu “Pé de Milho”

Era um só pé de milho, no jardim

Um só, isolado, mas de bela figura.

Os nossos eram muitos

Uma roça inteira de milho

Um milharal!

Que deu espigas, mil por um

Que deu pamonha, canjica, pipoca

Que trouxe alegria, trouxe a vida

Venceu a fome

Foi assim com meu pai

Assim com os meninos,

Muitos meninos

Que brincavam, se balançavam

“peidavam” e davam “gaitadas”

Na sua simplicidade

Na imensa felicidade

Da barriga cheia.

Foi assim com meu pai

Foi assim em todo o sertão

O cheiro do mato verde

O cheiro do milho verde

O sonho do sertanejo

Realizado, revelado

No milagre da chuva

E tantos meninos fracos

Se fizeram fortes

Se fizeram machos

Machos de porte

De poucas posses

Mas de muita macheza

De muita grandeza

Heróis do sertão.

Notas:

1 - O mato em flor – Variante de -a mata em flor, da música Assum Preto – H.Teixeira e L. Gonzaga

2- Parede de taipa- barro amassado entre troncos e varas, muito comum no sertão.

3 – Rubens Braga – Escritor- “Meu pé de Milho”

4- Gaitada – Termo sertanejo para Gargalhada.

5 Se fizeram machos, machos de porte, de poucas posses, de muita macheza-

Alusão aos poemas “O menino do Balde” e “No céu tem prozac” de Soares Feitosa.

6- Mil por um – trecho da Bíblia.

Paulo Gondim
Enviado por Paulo Gondim em 29/11/2007
Código do texto: T758236
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