APENAS SOMBRAS ENTRE NÓS

Deixa que me dispa do tempo que me pertence

para que possa ver-te integral junto de mim

naquele aconchego próprio de quem aspira

ao renascer do indelével amor que partilhámos.

Tu foste para mim a Euridice de um velho sonho

numa história que ingenuamente começou

e os dias, as noites e as horas que recontei

construíram aquela única e admirável aventura.

Eu fui para ti, sim, aquele Orfeu intemporal

que na sua insignificância romanesca

julgou ser possível alcançar a donzela

longínqua que habitava para lá do mar.

Muitos foram os sonhos embalados

num berço mágico de humana ambição

mas rude foi o destino que projectou

contra mim os mais cruéis escolhos.

Perdi-me nas veredas sombrias do teu horizonte

sem conseguir verdadeiramente encontrar-te

e hoje apenas vejo as marcas insondáveis

dos orfeus menores que sempre te cortejaram.

Do amor que em nós um dia se esboçou,

virtualmente crescido entre cardos inúteis,

onde está, podes dizer-me, o cerne da alma

que me poderá fazer regressar ao caminho?

E tu, Euridice, que revolveste minha estória

com a linha mágica do teu corpo e ilusão,

que resposta me darás quando ao acordar

eu encarar novamente o fúlgido labirinto?

O tempo e o mar são os intoleráveis inimigos

que entre nós selvaticamente se plantaram

e, por mais clara e solarenga que seja a aurora,

manter-se-ão as indesejáveis neblinas.

Não sei se a nossa história se reencontrou

e se o sentimento que lançaste fora de ti

ainda é o mesmo do nosso tempo original...

Diz-me, Euridice, Orfeu poderá voltar ?

Frassino Machado

In AS JANELAS DA ALMA

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 15/05/2008
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