Enamorada desconhecida

Há muito tempo vago pelas ruas das cidades em busca de nova amizade, uma enamorada desconhecida, em atitude de serva, em excesso submissa.

Nessa razão de meu doido caminhar solitário, em lugar desabitado, afastado das grandes povoações, ermo e desolado em demasia eu me alegrava pela certeza de ser o único fidalgo pobre daquele lugar esquecido.

Não me interessa o nome, a posição social, o modo como se veste, o perfume que usa, se tem as unhas e sobrancelhas bem-feitas ou malfeitas; se sua tez é branca, negra ou morena. Queria eu encontrar essa desconhecida para suprir seus anseios e completar meus sonhos loucos assomando seu ufanismo quando simplificasse e enaltecesse sua grandiosidade feminina, suas carências afetivas irracionais, suas fantasias mais doidas e inconfessáveis.

Continuarei minha peregrinação à espera de um tempo de alegria. Algo assim como acontecia em alguns momentos fugazes quando eu via filmes de minha época juvenil. Esperarei um olhar que simbolizará uma sutil promessa, um beijo espontâneo às pressas, um afagar de mãos, um estar assim, sem nada para dizer ou fazer, um prolongar de toda essa expectativa até o desvanecimento prazeroso e sem-fim.

Sei que ela existe. Sonho sempre com a mesma figura angelical que comigo se comunica sem articular palavras. Guia-me pelas sendas estreitas com seu cheiro envolvente como a brisa terna e primaveril. Delicada, segura em minha mão dando-me a sensação de extrema segurança e paz talvez imerecidas.

Essa minha futura e doce amiga não chora, não extravasa, não verte lágrimas insulsas, mornas ou salgadas. Possui essa enamorada desconhecida o condão de me acalmar nos momentos mais insanos com seu toque aveludado das mãos pequenas e acetinadas.

O beijo imaginado, extasiante e demorado dessa minha obsessão, em forma de mulher encantada, faz-me atingir o acme do gozo apenas sonhando, adormecendo o espírito quando se encontra em agonia pela ausência de sua real presença e aroma singular sentido.

Em lapsos de lucidez faço pactos secretos com meus imaginários demônios na representação das incertezas ou dúvidas cruciantes. É minha forma de responder com xingamentos silenciosos aos deuses por seus caprichos, castigos cruéis que me impigem de forma desnecessária.

São pequenos acordos, como: “se eu não encontrar a enamorada desconhecida antes de completar noventa anos de idade desistirei de sonhar acordado, vestirei roupas como os demais seres humanos, não conversarei mais com meus cachorros porque isso é perda de tempo, não regarei minhas plantas e tampouco lhes darei meu humo mais nutriente por saber ser isso obrigação da mãe natureza”.

É claro que isso é uma mentira! Não pretendo cumprir esses acordos porque sou, embora não pareça por atos e fatos, um crente desesperado. Um apaixonado desacompanhado em extrema aflição.

Essas são as mais desenxabidas desculpas pelas minhas culpas e erros não assumidos, agnosticismo e pequenas maquinações com o acaso. Faço busca desenfreada por um alguém que seja não apenas discreta e capaz de vivenciar uma relação civilizada, mas doida o suficiente para me tornar lúcido, completo e responsavelmente humano.

O que eu quero mesmo é aprender essa difícil e sofrida arte de enamorar não somente o ocaso. O do saber estar junto, o tempo todo, entre sôfregos beijos e abraços, o estar livre ao mesmo tempo.

São esses momentos que me darão vida longa no plano material, pois no plano espiritual, depois de encontrar essa enamorada desconhecida, saberei cultivar para melhor vivenciar essa sublime beatitude por toda a eternidade garbosamente conquistada.