O imperfeito

Prólogo: ao vê-la, inicialmente, pensei que estivesse chorando. Os olhos negros, melífluos, embora lacrimejantes, eram os mesmos dos dias anteriores quando me cumprimentavam mudos. - "Não lhe dou um abraço porque estou com conjuntivite...!".

Estas palavras foram ditas quando eu mostrei um opúsculo antológico que continha a publicação do meu texto: "Pensando em ti". Ao ouví-las, soando tais quais música aos meus ouvidos, senti-me abraçado, querido, útil e necessário. A essa doce e singular amiga, que obviamente se identificará no contexto da leitura deste trabalho, dedico: "O imperfeito".

Eu gostaria de ser perfeito. Não sou. Não consigo ser a essência da perfeição não apenas por ser humano, mas principalmente por ser um anarquista que só enxerga o caos e a desordem nas normas preestabelecidas pelos seres humanos quase sempre desumanos.

Meus diletos leitores poderão dizer: “Você é um pessimista antes de ser um anarquista”. Sim, talvez. Busco a perfeição humana, mas deveria compreender que todos os humanos são criaturas imperfeitas porque não aprenderam, ainda, a cultuar as virtudes teologais (fé, caridade e esperança).

Ah! Mas eu gostaria sim de ser uma pessoa capaz de se fazer amar e compreender. De ser cultuado como um semideus não em um altar e aureolado por bajuladoras, mas em uma cama espaçosa forrada com lençóis finos e perfumados, onde eu pudesse exteriorizar impetuosamente, sem lindes, todos os meus mais bem guardados anseios.

Poderiam aceitar minhas perversões, limitações e exigências? Eis a minha grande dúvida! Lógico que são simples ao comparar com as doidas manias de alguns ídolos dessemelhantes dos considerados equilibrados pelo bom senso, já desencarnados, mas que até hoje são cultuados pelas multidões dos também inconseqüentes.

Minhas obsessões, quiçá poéticas, me tornam mais que o comum dos mortais, sensível, às vezes prolixo, quase sempre imperfeito, medieval. Ah! Como seria bom ser perfeito sob a ótica do melhor siso.

Não consigo ser perfeito! Não sou porque necessito de nutrientes básicos: abraço, comida, ar, água, luz. Isso já me deixa igual aos tantos outros imperfeitos que perambulam por esse mundo próprio às expiações.

Errático, busco na imagem feminina o paraíso onde sei existir o roseiral de uma felicidade sem-fim. Ali quero e ouso deixar os pensamentos seguirem desordenados, caóticos em demasia, flutuando entre fluidos exóticos, tais quais gases rarefeitos, coloridos, perfumados.

Nesse oásis de minha imperfeita e sonhada perfeição as figuras triangulares, azeviches, têm bocas mornas, carmins, vida própria que me encantam com seus cantos de ninar. Todas me conduzem, durante os sonhos, ao acme da felicidade, ao gozo extremo perpetrado no tempo ínfimo de sua duração com seus haustos vorazes e sussurrantes.