Nós

nada daquilo foi um sonho

eu, que nasci sem asas

e num vôo rasante pousei

para alçar mais vôos e vôos,

por instantes parecia desperto

disperso por mares os quais

me confundo, aqueles que nunca

navegados e sou oras sal, outras

peixe, oras maré... albatroz...

que descartes, finges que é sonho

que o sol poente me testemunha,

nada atrela ao... e pouco se,

quando muito, ainda que... eu

natureza que chovo e me molho,

que tronco, jangada e que rio,

que navego, naufrago e me salvo,

torno e caio... tropeço que sou,

diagnóstico da doença e cura

que tenho aqui, bem dentro de

mim certezas, mim tonturas,

mim cloreto de sódio e potássio,

eu pronomes possessivos em

viadutos de sangue colesterilizado,

eu que não sonho: existo

e insisto nisto; neste incesto

de exércitos em pleno exercício,

que exerço meu ofício,

malefício e benefício de mim,

eu que fumaça, que pó e que pingo

numa lágrima e sou pranto...

num sorriso primavera...

que espero ônibus e sou ponto,

que pergunto e respondo,

eu promontorius conceptorium,

eu príncipe, donzela e torre

fugindo de mim quimera no

mesmo eu conto de fada e

que creio no tudo e no nada;

que quando acordo sou deus,

quando durmo vou até ele

e quando poeta Jesus Cristo;

partícula do todo, todo

fragmentado, todo unidade,

que verbo, coisa e qualidade

advérvio atemporal na eternidade,

objeto direto de mim e

indireto do eu, finito no homem,

máscaras do teatro grego,

ego, medo, id e super homem,

eu pomo de adão, eu calcanhar

de aquiles platônico,

aristotélico e nietzschiniano,

terráquio e marciano,

eu cansaço, eu

sono, eu sonho...

Não, nada disso é um sonho...