Liberte-me enquanto estou vivo...

"As pedras não são problema

Para aleijados

O vazio não é problema

Para cegos

A vida não é problema

Para mortos

Ai de quem ainda vive

E anda com olhos abertos!

Se então todo caminho é morto

Pedregoso e vazio

Como corações, mentes

Reações, gestos

Memórias, gemidos

Convulsões e verbos

Correndo, só sinto pedras

(caminho entre as coisas

como quem pisa no coração)

Olhando, não queria mais ver

(perdido como quem abre os olhos

e vê somente a escuridão)

Vivendo no lixo do presente

(e no sonho de viver

nunca – nunca mais)

Só tenho lembranças falsas

Uma presença fria

O coração teórico

E um olhar míope

Nunca quis saber como um algo

Neste caminho imaginado

Preso no sonho de viver

Pôde marcar a fundo

Minha sóbria tristeza

Cujo sonho era não ser

A isso nunca quis dar nome

Aleijados chamam de utopia

Cegos chamam de amor

E os mortos... estes não chamam mais

Se a vida fosse eterna

Eterna seria a dor

Eterna seria a tristeza

Eterna seria a angústia

E eterno o anseio pelo fim

A eternidade é o inferno

Que nossa covardia deseja

Temeroso aquele que busca remissão

Desta imerecida pungência

Temeroso aquele que busca anestesia

Desta finita maldita punição

Nesta viagem vã

Por entre escolhos e entulhos

Por entre cacos de gente viva e morta

Sangramos em demasia

Temos medo de usar a anestesia

Mas quando cessar nossa dor

Quando redimidos pela foice

Vê: só nosso corpo se esfacelou

E de nós ainda resta o eterno punhal,

Que nosso coração sempre abrigou

Posto que redimidos de nossa dor

Este punhal faz outrem sofrer;

Nossa paz exige a vingança

Pela qual a vida sofre por viver;

Pois maldita bênção é a finitude

De nossa desditosa aventura!

Nesta luta para viver a dor

A serenidade da foice ousa por nós

Aquilo que a covardia nos proíbe amar

Espero de braços abertos

Minha derradeira anestesia:

Adormecer a dor deste punhal

Cravado no peito de uma vida terminal

Adoeço preso no sonho deste momento

E covardemente estou à espera do final

Que a foice me mate com a paz imortal."

(Leia este poema ouvindo "Morning Bell", da banda Radiohead.)

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 11/02/2009
Reeditado em 23/10/2021
Código do texto: T1434375
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