O  Selvagem Cavalo do Destino

      Até onde um coração humano pode resistir aos venenos da amargura de uma alma? Quais conflitos silenciosos de vontades geram as suas inquietantes taquicardias?
      Um desagradável desequilíbrio que acaba por gerar agudas dores sobre o peito. Ali parece insistir em existir uma ferida que  finge que há muito já está cicatrizada, mas que de momento para outro renasce em doloroso parto e não para de sangrar.
      Não é hemorragia do líquido biológico, mas perda de etéreas energias espirituais. É uma maldição eterna, onde mesmo buscando paz a alma guerreira só encontra batalhas.
      É o olhar perdido no céu, como que tentando encontrar algo essencial que se perdeu. É a sensação de estar aleijado de asas e assim ter que arrastar-se pela poeira do solo. Estando vivo, mas rebelando-se na quietude da alma contra esse estado compulsório.
      Uma espécie de morto-vivo, um zumbi espiritual assombrado pelas trevas do passado. Hoje nada quer, sente que de alguma forma sua vontade é ludibriada por ilusões cotidianas.
      No dilatar da filosofia conclui que nada tem, tentando despojar-se dos desejos para não sofrer. E priva-se tanto que acaba por anular-se, mergulhando em sua sombra, a tudo rejeitando.
      Gostaria de ter o dom da aceitação, mas quando muito consegue a resignação dos inconformados. Existe uma rebelião que não advêm da indisciplina, mas da exaustão dos grandes frustrados.
      Existe um desânimo amadurecido que inocula seus tons de angústia por todos os caminhos, é filho da perda de esperança, é afilhado da fé abalada, é sobrinho da queda da perseverança.
      Pudesse fazê-lo, desistiria de tudo, mas a têmpera do justo não aceita fugir das próprias culpas. Assombra-lhe o medo de mais um fracasso e mesmo os vitoriosos guerreiros temem as derrotas.
      A pacificação da alma parece ter lhe abalado a vontade obstinada do ego, antes tão combativo. A lucidez da verdade deu-lhe a visão do seu reduzido tamanho, a autoconfiança está abalada.
      Não julga-se à altura das diretrizes do destino, clama antecipadamente doloroso pedido de perdão. Mas sua consciência é vulcão em erupção. Fosse possível ser perdoado, não se perdoaria. 
      Vê que esse conflito íntimo denuncia que não tem a suposta paz e harmonia que acreditava ter. E nesse momento vê-se diante do belo e fogoso cavalo selvagem que representa o seu destino.
      Lembra com certa melancolia as inúmeras vezes em que digladiou-se com o poderoso equino.Tem na memória a tentativa de cavalgá-lo e sua furiosa rebelião em aceitá-lo no lombo. Bravos combatentes, guerreiros que aprenderam a respeitar a força do verdadeiro adversário.
      O grande cavalo e seu crânio ossudo lança-lhe um olhar desafiador para que não tente a montaria. O velho guerreiro olha para os arreios soltos e não sente ânimo para a belicosa empreita.        
      Num ato impulsivo toca com as mãos afetuosamente o garboso e viril alazão.
      Fala-lhe com a voz meio sumida que quer que ele se liberte, não deseja mais dominá-lo. Atira-lhe o olhar sincero e diz que deseja que ele cavalgue livre pelos prados do infinito.
      O vigoroso animal se surpreende e se entristece. Afeiçoara-se à valentia de seu bravo cavaleiro. E traz na rude face a expressão de que desejaria ser a montaria do seu antigo oponente, desejando levá-lo sobre os seus ombros para sua conquista de liberdade. Não mais julgando como humilhação, mas teria orgulho em poder conduzi-lo na sua cavalgada celestial.
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 14/05/2009
Reeditado em 03/06/2018
Código do texto: T1594549
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