O CISNE E A ÁGUIA
Sou um cisne negro
que quebra a porta e arrebenta a cara
Que rompe águas que não são tão claras
Que se esconde em sua forma rara
E não se reconhece nem se envaidece
Com as suas asas, que de tão longas
Lhe impedem o vôo e lhe pesa o vento
E espera em vão, ao tempo
Um outro tempo pra voar
Sou um cisne negro
que faz a mistura de todas as cores
que pula o muro e se permite outros pratos
outros sabores, e depois volta
Com as asas prontas, aparadas
Com as garras preparadas
Mas, querendo se aninhar
Sou a mistura de tudo
Sou o puro absurdo
O caminho inverso, o contrário
Branco não quero mais
Branco é ausência, é falta
Fragilidade imediata
Pra não ter que se sujar
Sou a mistura das flores
Essência de meus amores
Numa noite de luar
Sou o negro cisne negro
Que nasceu para voar
Pra se jogar contra as pedras
Ou tranqüilo se aquietar
No negro de todas as cores
Nas cores de todas as dores
Nas dores que queima em meu peito
Na guerra, no sossego de meu leito
E ficar assim, calada
Contando cada batida
Do coração, dolorida
E buscar no dia seguinte, na vida
Outro ponto de partida
Outro lugar pra pousar
Sou como a águia
Que arranca as unhas
E quebra o bico
Que se esconde lá no alto
No penhasco, e se lança ao sacrifício
E depois então parte num vôo solo
Silenciosa, pedindo colo
Exibindo sua coragem,
suas unhas novas, seu bico,
sua nova plumagem
sua vida que agora leve, paira livre
e retorna a sua casa, ao seu espaço
outra vez pronta
pra seu vôo recomeçar.