Silêncio II

Faz silêncio

No vento, no frio que gela meu corpo e enregela-me por dentro

No escuro da noite, nas luzes mortiças dos postes, na neblina que envolve tudo, nos olhos dos gatos ariscos e curiosos que me espreitam de cima dos muros, no cão faminto caído que treme quase morto, na lua que se esconde, nas estrelas que não brilham. Nas putas que se drogam na esquina, triste sina, no cafetão carrancudo, triste ser, nos perdidos, nos bêbados de passos e destinos incertos. Nas pedras, nos buracos da calçada, no casario adormecido, no velho edifício meu abrigo, nas escadas penadas, empenadas pelo peso dos passos tantos anos. No meu quarto, no velho colchão, lençol rasgado amontoado no canto, no travesseiro sem fronha, na jarra de água pelo meio, na cortina fantasmagórica que o vento balança, na mariposa que se debate na vidraça. Na minha solidão, no meu desespero, nas minhas mãos unidas e tensas que tentam arrancar a pressão, a opressão que mora em meu peito, na tênue linha que me separa do insano.

Faz silêncio em tudo.

Sua ausência desliga-me do mundo coerente

Sinto-me sem chão e sem teto.

Coração em desatino

- Roberto Coradini {bp}