Thriller

Pensar na vida que levamos (uma vida em que não vejo qualquer sentido)

Dá-me, no dizer da gente de minha terra, uma imensa sensação de gastura,

(Estranha atitude, esta de quem prega a salvação com olhos injetados de fervorosa loucura.)

Uma total incompletude, como se Deus brincasse conosco de mocinho e bandido.

O amor é caçado a tiros, malfeitor perigoso, animal em risco de extinção na concretude da selva domesticada.

O magnata, face contraída pela úlcera gástrica, dita grandiosos projetos industriais.

Empregos criados em profusão – no prostíbulo eletrônico a atriz exibe pernas sensacionais.

Nossas crianças aprendem nas escolas, aos gritos, como não criar conflitos – afinal, a paz tem de ser preservada.

Que felicidade suprema, poder juntar as cabeças em contrição, convictos de que receberemos as preciosas chaves das portas de ouro do Paraíso,

Dádiva prometida (e paga mensalmente) pela igreja de ocasião, independente de que eu seja mouro ou cristão.

Enquanto isso, no faroeste diário, o cidadão precavido encomenda sua tumba (paga pelo crediário) por medida de precaução.

Aqui, ele vive de forma abjeta, esperando a outra vida, que lhe dizem ser muito mais completa (Compra um lote divino prá evitar o prejuízo.)

Jovens meninas sorriem um sorriso sem vontade; um travesti caminha do outro lado da rua, lábios manchados de noturnos beijos de homens honrados.

Engaiolados, dois garnizés cantam fora de hora; o homem da lei monta guarda ao corpo desconhecido largado no necrotério.

“Que nome darei à criança?”, pergunta-se em silêncio, a adolescente, carregando no ventre um filho de pai desconhecido - mais um candidato ao cemitério.

Não há sentido na vida; nos trilhos corre uma locomotiva desgovernada, sem freios – na quadra da escola de samba, a bateria toca para uma multidão de foliões embriagados.

Em conversa com meu filho mais velho ele me falava das qualidades de meu neto, seu único filho, exaltando as qualidades de uma composição que o pequerrucho (na casa dos dez anos) havia feito. A tal composição assombrara a escola, dada a riqueza de detalhes que ele, meu neto, colocara nela. Brinquei com o meu filho: “Pode estar nascendo um escritor...”. De pronto ele rebateu: “Tomara que não. Ele deve escolher uma profissão bem mais lucrativa.”

São estes os sinais dos tempos?

Terras de São Paulo, tarde da segunda Quarta-Feira de Fevereiro de 2010

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 10/02/2010
Reeditado em 11/02/2010
Código do texto: T2080109
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