Fica comigo

Fica comigo

Esta noite eu tive um sonho. Não mais um entre tantos outros sonhos comuns, mas um sonho que me soou bem real, um sonho bem mais consistente.

Era tudo muito encantado o que este meu sonho mostrava: nele, neste meu sonho, eu era, como em todos os outros sonhos, ao mesmo tempo espectador e agente.

Até eu mesmo, neste sonhar diferente, agia de modo infinitamente mais sólido, abdicava de tantas ponderações e conduzia-me mais pelas emoções, olhando sem medo, a vida de frente.

Tu reinavas altaneira, neste meu sonho completo, a preencher com teus beijos indiscretos o meu vazio sem fim - não mais se dissolvendo em miragem, não mais a partir de repente.

Durante o tempo em que durou este meu sonho, não senti mais falta de nada. Eu tinha a tua companhia, sentia-me absurdamente pleno de tudo - um semideus na Terra exilado.

Enquanto eu me embriagava em meu sonho, abstraia-me do inexorável correr do Tempo, punha-me a salvo da passagem das horas, deixava o fardo da vida momentaneamente de lado.

Neste meu sonho-redoma nós dois siameses ficávamos; nada e nem ninguém nos ameaçava, tínhamos Um ao Outro, éramos muito mais que um casal - permanecíamos fiéis namorados.

Ah! Minha amada. Como saboreei deste meu régio sonho. Tanto, mas tanto, que dele não quis ficar separado: ele foi o meu diamante perfeito, um sonho mais-que-perfeito prá jamais ser olvidado.

Quero que venhas morar em meu castelo de sonhos, eterna rainha de meu pensar. Neste meu castelo dourado reinarás com teu cetro ambíguo, assentada nas contradições do Amar.

Talvez eu não saiba traduzir o que dizem os meus sonhos, especialmente este sonho tão lúdico; provavelmente os meus anseios impudicos impeçam um correto interpretar.

Indubitavelmente é bem melhor permanecer entrincheirado neste meu sonho, lutando encarniçadamente prá manhã não chegar. Neste país dos Sonhos eu serei sempre rei e senhor - um rei absolutista a impedir o sol de me acordar.

É uma luta sem tréguas, uma causa perdida fora do mundo dos sonhos, bem sei. Poetas egoisticamente se enredam em seus sonhos, constroem um mundo ideal - juntando partes para a mulher ideal também formar.

No entanto, é necessário acordar de meu sonho, este meu mundo sem medos deixar. O mundo real me cobra certezas; ainda assim, deste meu lindo sonho surrupiei a beleza, o vislumbre da vida que quero prá mim.

Não há consistência nos sonhos; dizem-me com veemência. Acredito: é o veredito perfeito. Que pena! Mas, relutante, argumento que quem se escora em tal dito é como gado insensível pisoteando o mais belo jardim.

Para um poeta, minha amada, é impensável imaginar uma vida sem sonhos, alguém limitado apenas pelas grades das três dimensões, alguém que não sonhe com asas, que não sonhe em voar livremente pelo Universo sem fim.

Por isso, amada minha, acordei e corri a te contar o meu sonho. Tive medo de que não pudesse guardá-lo convenientemente comigo, então quis partilhá-lo contigo, na esperança de que ainda tenhamos uma vida de sonhos assim.

Há muitos anos tenho o hábito de acordar no meio da noite e partilhar os sonhos que, eventualmente, tenha estado a sonhar. É um processo que aprendi para não esquecer o que se passou enquanto o meu ser viajava fora do mundo de vigília. Quando estou com a minha amada, amparo a cabeça dela em meu peito e conto-lhe o que sonhei. Nas noites de solidão falo para as paredes, fiéis companheiras, e fico a esperar pela interpretação que elas me darão.

Cidade dos sonhos, tarde de um ensolarado Domingo de Páscoa, início de Abril de 2010

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 04/04/2010
Reeditado em 04/04/2010
Código do texto: T2176837
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