VIDA ANDANDO (1º , 2º e 3º fragmentos) A FILA PÁSSAROS?
VIDA ANDANDO
(primeiro fragmento)
Carretel de existência,
Algo de imã e de assustador,
Perola em gestação,
Mastim guardando o pasto.
Dedos minerais
Desfolham pétalas
Da flor viçosa
Que murcha
Num plano invisível,
Seu viço vegetal.
Grafite vivo
Do lápis em transe
Desenhando a outra face
No mesmo espelho.
VIDA ANDANDO
(segundo fragmento)
Este caminho é o elementar
Produto do envelhecimento,
Obedecendo a mesma ordem,
Severa, lenta, absoluta,
Arrastando a desfiguração nos espelhos.
Pele riscada de estrias,
Medalha pela soma da obra:
Outra estesia.
Dentro dessa concha,
Produzem-se pérolas
Que a vida revela
Nesse mar sem tempo.
VIDA ANDANDO
(terceiro fragmento)
Vida, gota por gota,
Diluindo o plasma
Com suor viscoso,
Enquanto o relógio
Devora ponto por ponto
O tempo que resta.
Vida: manifesto existencial
Da morte: caçadora invisível,
A esmo no círculo vicioso do poente.
Vida lacônica, instintiva,
Lenha consumida na ardência
Da fornalha que não finda.
A FILA
Medra a jibóia acumulada na cauda,
Cresce em seu corpo heterogêneo,
Um arrepio, que são pessoas em seu organismo.
Nuança étnica fragmenta o réptil: mamífero e racional,
Centopéia sonolenta arrasta a procissão.
Essa sucessão corpórea ganha a tarde,
Cortada em postas, extingui-se,
Amanhã, pela manhã, em postas, acumula-se.
Todo dia nasce na porta de um estabelecimento bancário,
De um órgão público, de um departamento assistencial...
Esse estranho e familiar fenômeno:
O réptil humano que sua na fila.
PÁSSAROS?
Se esses pássaros voassem inquietos
Para além do horizonte, a vasculhar na terra,
A semente do vôo permanente,
Seriam pássaros procurando o vôo perpétuo,
Não seriam pensamentos.
Se esses pássaros pousassem aos bandos
Nos galhos iluminados da árvore que não finda,
Para sugar, na ramagem, o canto inaudito
Da sinfonia bruta, depois voassem para dentro
De seus casulos de nuvem,
Não seriam pássaros, seriam pensamentos.