O Copo D’Água

Parado diante do copo d’água,

Olhando fixamente o objeto,

Inerte diante do nada,

Consubstanciado em algo concreto.

Penetrando no líquido transparente,

Refletindo minha imagem,

Foco de movimentos ondulantes,

Como simulada roupagem.

Exterior vítreo que serve de recipiente,

Realidade maleável comprimida,

Por influência da luz se torna reluzente,

Agitando-se com a mais leve brisa.

Abarca o que sou em estética figura,

Contendo-me em pequenino espaço,

Quem sabe escapando por leve fissura,

Transbordando aos poucos, me desfaço.

Um aquecimento evaporaria,

Dependendo, romperia o vidro,

Um esbarrão já liquidaria,

Simplicidade do acaso que pressinto.

Como Narciso eu admiro o reflexo,

Não por vaidade, mas pelo fenômeno.

Assim se comporia mitos complexos?

Nem atrevo a deduzir por ser anacrônico.

Mergulho o dedo e produzo resultados,

A substância está umidecendo meu corpo,

Gotas pingam para retornar ao estado passado,

A silhueta turva volta a ganhar seus contornos.

Qual seria o sentido químico ali presente,

E os resultados físicos daquele ato?

Ciências que escapam ao meu conhecimento inocente,

Apenas relegado a um eufemismo barato.

Posso transubstanciar para algo macro,

Imaginar dois amantes se espelhando,

Corpos amalgamados diante de um lago,

Envolvidos em um frenesi libidinoso momentâneo.

Romancear em fonte de juventude,

Coesa em escala diminuta,

Aguardando um sujeito que se aventure,

Produzindo inimaginável permuta.

Ninfas dançariam perante este altar,

Nereidas microscópicas povoariam este hábitat,

Faunos desejariam este paraíso salutar,

Ao mesmo tempo intocado por redoma rudimentar.

Poemas construídos por singela inspiração,

Gênios que se renderiam a tão humilde provimento,

Microcosmos desperto da inanição,

Suscitando dádivas outrora retidas por comedimento.

Oásis de microorganismos ávidos pela vida,

Designer que mistura natureza e engenharia,

Representação motivacional anímica,

Desiderato de um Éden que se resgataria.

Batalhas se travariam pela posse desta propriedade,

Economias equacionadas para atender esta nova demanda,

Política imiscuída com gananciosa responsabilidade,

Geologia com científico préstimo por gana.

Genealogia universal evocada com dogmatismo,

Hiato paradisíaco emergente e garboso,

Revelação nunca pronunciada pelo profetismo,

Os menos otimistas a anunciação de algo desastroso.

Digna de exploração pelos argutos argonautas,

Seu leve ressoar evoca o lirismo,

Elemento constante em qualquer intelectual pauta,

Alimentando um conservador otimismo.

Regato sob a tutela do grande Poseidon,

O mar não foi suficiente para aplacar sua vontade,

Decidiu ter uma gênese original, criando seu apeiron,

Zeus não poderia mais realçar sua própria prosperidade.

Os céticos questionarão tais conjecturas,

Irão se concentrar em um mero fatalismo,

Enquanto os metafísicos criarão escrituras,

Embasados no não dito como universalismo.

Olhos transbordando lágrimas,

Salgando a água doce do copo sagrado,

Agora transubstanciado como prática,

Observador e fenomenologia compondo o espetáculo.

Racionalidade expandida e selvageria domesticada,

Logística caótica do inconcebível abstrato,

Ação sublime de uma deturpação tida como esquálida,

Composições aglomeradas em forma de aparato.

Causa “sui generis” que invoca o “deus ex machina”,

Antecipação de um Big Crunch já anunciado,

Epicentro da catastrófica realidade impensada,

Eclosão de um eterno retorno de sentido inveterado.

Mordaz arquitetura que desmorona os alicerces historicistas,

Templo erigido como sepulto da audácia modernista,

Individualismo espalhado nos coros socialistas,

Encerrando em cada sentido o ser, sem nunca ter sido força sentida.

Sorumbático “übermensch” enfadado pelo cataclismo,

Sábio pela ignorância conservada de forma erudita,

Herdeiro de uma filosofia, sustentáculo do ocidentalismo,

Profere despautérios como fuga através da verborragia.

Empurrando esta água com leve sopro,

Feito Khepra guiando o disco solar,

Embora tenha pretensões de ser Apolo por logro,

Pensando em Ártemis banhando-se para refrescar.

Elevando aos céus como nuvem pontual,

Excitando uma tempestade deveras singular,

Thor com martelo ínfimo, faz trovão sem igual,

Auxiliado por Zeus na multiplicidade do relampejar.

Num gole profundo irei sorver o conteúdo,

Absorvendo toda a fantasia representada,

Preenchido como universo telúrico,

Metamorfoseando esta contingência adorada.

Regurgito algum resquício de saliva,

Poça residual deste poço onírico,

Agora diluído numa orgânica ataraxia,

Encerrando um aeon fragmentado por interesse profícuo.