DEGRAUS 1-12

DEGRAUS I

A escada da vida, às vezes, desce

e em outras sobe sem interrupção:

desse alto edifício a escalação

só se intercala, sem que nunca cesse...

Há patamares, também, locais de prece,

pois se suplica por modificação:

que a escada que se acha em descensão

inverta o movimento em que se tece

o nosso desalento e desaponto:

que suba novamente; ou então, que desça,

mas ao encontro de nosso julgamento

do que é melhor para nós, em certo ponto;

e se consegue, na fé com que se peça,

só que, às vezes, com oposto rendimento...

DEGRAUS II

Há degraus firmes, sólidos, estáveis,

nos quais se estabiliza o nosso passo:

sempre sabemos que fiel é o abraço,

reconhecemos que os beijos são confiáveis.

São então patamares agradáveis,

em que podemos descansar do laço,

em que sentimos da permanência o traço

e as horas de tais dias são palpáveis...

É quando tomar fôlego é possível:

há paredes robustas ao redor

e sob os pés não se resvala em umidade.

São pausas do viver irretorquível,

sem frialdade e nem tampouco ardor,

nas quais cada suspiro é liberdade.

DEGRAUS III

Mas há outros degraus bem mais esquivos:

quando se pisa, parecem desviar:

alguns se erguem ou se nota um deslizar

que nos afasta dos traçados decisivos.

E então nos vemos em tais degraus cativos:

eles nos levam, nesse seu girar

a pontos de imprevisto calcular,

retorcendo os projetos mais ativos...

São degraus perigosos, mal se sabe

para onde levarão essas escadas,

que fim terão essas escadarias...

Ao descuido de um instante que te cabe,

logo teus passos seguem por estradas

bem diferentes daquelas que querias...

DEGRAUS IV

Alguns degraus paredes atravessam,

cavam seus túneis descuidadamente...

O nosso corpo projetam, sempre em frente

e, contra essa argamassa, nos engessam.

Viramos escariolas, que se espessam,

sem sair das paredes, no impotente

esforço de cruzar, ingentemente,

presos em linhas que sequer se meçam...

Não há como fugir e nem voltar:

do edifício viemos fazer parte

e aqui ficamos até sua derrocada...

Películas de óleo a rebrilhar,

até que o tempo da morada infarte

e desabemos em caliça esparramada...

DEGRAUS V

Outros degraus me levam para baixo,

sem pressa e sem vagar, até os porões

da sociedade, ao mundo dos ladrões,

das prostitutas em derradeiro facho.

Subitamente, descubro onde me acho:

já mal consigo encher os meus pulmões:

marchetou-me a escadaria de traições,

só me resta o degrau em que me agacho.

Lá te contemplo, alguns degraus à frente,

escorregaste por tua própria escada:

teus olhos luzem para mim, no escuro...

Como queríamos fosse diferente!...

Mas cada plano reduziu-se a nada

e só nos resta nosso amor impuro.

DEGRAUS VI

Outras escadas se movem para os lados,

quais grãos de areia de uma longa praia:

a maré nos borrifa, mas a saia

de algas nos conserva entrelaçados.

Não é possível sair, por mais cuidados:

a margem é um penhasco e quanto caia,

na areia se retém... Imensa a vaia

dos que contemplam do alto, descuidados.

Quando tentamos lançar-nos pelo mar,

as ondas nos empurram, sem mais dó:

nosso destino é falecer na areia

dessa praia tão longa... Ao dealbar

do novo dia, em turbilhão de pó,

quando a aurora distante se incendeia.

DEGRAUS VII

Alguns degraus parecem ser de seda,

numa escada enrolada por magia.

Cabe no bolso, durante todo o dia:

quando estendida, cobre uma vereda.

Junto à mansão, ao fundo da alameda,

amarrada a um calhau, à torre guia,

em que a donzela espera, em melodia,

disposta ao beijo e a quanto mais nos ceda.

Só desenrola à noite, a doce escada

e, mesmo de esperada, é surpreendente,

nos resultados desse seu condão...

Quando menos se espera, chega a amada

e então se vê, à luz do amor nascente,

que toda a vida só é prestidigitação!...

DEGRAUS VIII

Porém existem escadas mais horríveis,

tecidas de cabelos de mulheres,

abertas sepulturas, em misteres

embriagados por visões terríveis...

Assim levadas as escadas impossíveis,

no bolso da jaqueta, se quiseres,

no fundo da mochila, o que fizeres

terá sucesso, por razões incríveis.

Pois tais restos mortais são tua herança,

o que sobrou de teus antepassados,

o quanto teu futuro agora alcança.

Pois sem cabelos de mortas, teu destino

se resume aos trabalhos mais pesados,

em troca de um salário pequenino.

DEGRAUS IX

Alguns degraus nos levam às montanhas,

a galgar, um a um, os patamares,

às vezes, em carreiras militares,

às vezes, no comércio ou nas patranhas.

Casualidades são assim tamanhas,

nessa ascensão solene de avatares,

no esforço que abandona os bem-estares

ou no astucioso desdobrar das manhas.

Também no alto há mosteiros e eremitas,

sobre alguns cumes soerguem-se castelos,

onde a água é mais pura em suas nascentes,

mas ponto de reunião de almas aflitas,

que passaram por tesouros, mas sem vê-los

e se pretendem agora indiferentes.

DEGRAUS X

Mas há degraus que descem ao abismo

mais profundo da alma e sem retorno

e quem ao Bem já demonstrou-se morno,

se abeira sem querer do cataclismo.

E não pense ninguém que aqui sofismo.

Eu só descrevo as voltas desse torno,

não fui eu que lancei o barro ao forno,

nem tampouco queimei o silogismo...

Porque existe um cordão de pensamento,

nos aforismos herdados do passado,

filosofia acimentada em ciência...

E é somente a expressão do julgamento

que exponho neste verso compassado

de quanto já escutei na minha impaciência...

DEGRAUS XI

Contudo, na canção da escadaria,

são preferíveis do amor os patamares.

Esses degraus que descem, aos milhares,

só nos enchem o coração de nostalgia.

São degraus que se palmilha em alegria,

são degraus de marfim, santos lugares,

que nos conduzem, alfim, aos almejares,

onde o prêmio, afinal, se alcançaria.

Mas como toda a escada, esta escaleira

que conduz, lenta ou veloz, até o amor,

esses degraus que tanto desgastei,

sempre terminam na etapa derradeira,

em que constato, num laivo de amargor:

mulher alguma me amou igual que a amei.

DEGRAUS XII

E foi assim que todos percorri:

degraus de amor, de ódio e de ambição,

de sucesso, de glória e exultação,

degraus da indiferença que senti.

Os mil degraus da vida pressenti:

tateei ou pisei firme, em gradação,

pisei sem gosto, em curva decepção,

quando apenas novo lance discerni.

Mas não cheguei à derradeira escada:

cada poema completo é um patamar

e os campos entrevejo por seteiras...

A paisagem me parece ainda encantada:

o mundo não cessou de deslumbrar

e as esperanças conservo por inteiras.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 01/04/2011
Código do texto: T2882662
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