Eu e o Corvo
Jorge Linhaça 
 
Em triste noite em tudo medonha
Vinha minh'alma perdendo o juízo
Qual um fantasma arrastando guizos
Pelos mil porões da minha vergonha
 
Contava os danos e os prejuízos
A minha face disforme e tristonha
Morrendo aos poucos de forte peçonha
Tal qual expulsa de um paraíso
 
Eis que um corvo me pousa no braço
Como a querer aplacar os meus ais
Lembrando versos hoje ancestrais
Escritos por Poe em puro compasso
 
O negro corvo de olhar voraz
Penas de piche e bico de aço
Falava baixo, sem estardalhaço
O mesmo refrão , assim...Nunca mais!
 
Que quereria dizer-me tal ser
Com o seu eco de tempos atraz?
Só repetia pra mim...Nunca mais!
Disco riscado do meu padecer
 
Foi esse corvo minha companhia
Por entre as sombras qu'eu mesmo criei
Muitas histórias de mim recriei
No purgatório que eu me sentia
 
Foi-se a noite e pro sol eu olhei
Em plena aurora de um novo dia
Ouvindo a frase que o corvo dizia
Preso ao meu braço com ares de rei
 
Nunca mais! Eco do qual não me esqueço
Nem do apreço ao meu negro amigo
Que alentou-me durante o perigo
Pondo às agruras seu devido preço
 
Hoje liberta dos medos e ais
Segue minh'alma a sua missão
Bendito corvo e o seu refrão
A repetir-me o seu  "Nunca mais!"
 
Salvador, 3 de janeiro de 2011