CONSUMAÇÃO

Naquele corpo semi-imerso
na transcendência do cosmo
um último sopro de vida
ainda animava a refrega
travada por toda a existência
entre o id e o alter ego

Libertação?
nem me fale disso
por que destruir as amarras
que eu mesmo me impus
como opção protetora
de uma existência covarde?

Não me fale em liberdade
se a prisão onde estou
eu mesmo a construí
com os tijolos fantasiosos
de uma infância distante
com o cimento doloroso
de uma adolescência insegura
e com as grades pesadas
de uma postura adulta
comprometida até o desespero
com o desejo de segurança.

Romper o cerco, mas como
se eu próprio delimitei
o raio do meu espaço
riscando na terra um círculo
em volta de mim mesmo?
por que seguir adiante
se essa redoma protetora
me ilude, me recompensa
administrando tão bem os conflitos
que pacientemente cultivei?

Não, não abro mão disso
e não queira me convencer
neste momento final
que posso voltar no tempo
retrocedendo a história
e num lampejo libertário
possa eu desacorrentado
começar tudo de novo.

Refazer a minha estrada
superando as dissonâncias
a ponto de facultar-me
as emoções reprimidas
os prazeres que não tive
as lutas não travadas
as hipóteses de vitória
os projetos mal começados
e a estética abandonada.

Espere um pouco, estou confuso
oh Deus, quanta dúvida...
quem sabe, ousaria sim
ao menos se em mim despertasse
o poeta que não fui
ou o revolucionário que se foi...

Muito tarde, não há mais tempo
não há mais chama
e na barra da eternidade
o id perdeu uma vez mais
a última, a batalha final.