No palco em que me habito

A cada crepuscular madrugada sou a distância

de mim própria encurtada. O barco naufragado

na maré vasa do mar alto. Derrotado em batalhas

travadas nas veias abrasadas do meu sangue.

O renascer sob empinados escombros das chuvas,

sob o manto constante de relâmpagos e trovoadas.

Sou igualmente, os dias alimentados de vazios

onde se metamorfoseiam sinistros Corvos em vestes

alvas. Plumagens de anjos! Ou a Cigarra entontecida

provinda de planícies ávidas. O desconcerto do vento...

A carne envelhecida antes do tempo.

A palavra ressuscitada na tangente de silvados abruptos.

O contraluz de encalacrados e estrábicos galhos, alojados

na garganta insubmissa da esperança murcha.

Ou ainda as lágrimas acordadas no bucho das alvoradas.

A flor da noite amarrotada nas pregas vincadas da vida.

O ventre-rio efectivo onde deslizam bichos de sangue frio.

O esplendor das relvas encolhidas após o corte. Ou o fulgor

dos clarinetes d’Edens, provindos em astronaves dos bosques.

Sou o silêncio aromatizado pelas letras de um Fado. E o

depauperar de Montes povoados de Silfos e Mastodontes ...

Sou o riso desassisado e logo o pranto...

No palco onde me habito, sou o nada e sou o tanto ...

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 13/03/2007
Código do texto: T410896
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