TENTAÇÃO
Anjo da luz, eu tento subir ao Céu,
Perco-me, contudo, entre as lufadas da tormenta,
Torno-me ferro estígio,
E qual fera sedenta
Sugo a própria alma no leito do rio;
Da luz, não resta sequer um vestígio,
E do devaneio feliz de me elevar ao Céu
Resta só mágoa no meu sentimento sombrio!
Anjo das trevas, eu tento descer ao Inferno,
Rendo-me, contudo, aos verdes olhos da esperança,
Torno-me sonho de pomareiro,
E qual contente criança
Germino risonho entre as palmeiras;
Das trevas, brota um amplo luzeiro,
E da mágoa pungente que me lança ao Inferno
Brota no meu sentimento um campo de videiras!
Simples mortal, eu tento andar sobre a água do Estige,
Afogo-me, contudo, nessa água avernal que me leva
A duvidar da possibilidade de pacificamente coexistir
Com o mundo que eu e minha alma elegemos nosso lar:
A realidade que nasceria do sonho que me enleva,
E que ainda não tive a alegria, nem a sorte, de realizar!
Será a morte que, dessa culpa, um dia há de me redimir,
Ou ainda terei da vida a vida que minha alma me exige?