Poema Dêsde Ali

Agora já estou morto.

Assim é melhor creiam-me. Até diria

Que prefiro êste mudo conhecer de raizes,

Êste gelado saber de sonho oculto

Ou submergida pedra,

A êsse perene repicar de sinos e mais sinos,

A êsse doce adorado crepusculo de outono,

A essa mínima flôr curvada sôbre o lago.

Agora estou nu

Imerso em viva terra palpitante,

Com um pouco de seiva entre os dedos

E outro pouco de formigas pelos lábios.

Sinto como me chamam ai de cima as árvores,

Como se embeleza e chega a Primavera ao mundo,

Como me vão gritando sua mensagem as coisas.

Porém prefiro estar-me, saber-me totalmente

Imóvel sôbre esta quietude de sombra e pranto.

Aqui meus olhos ocos vão olhando a tudo :

O passo dêsse cachorro que arranha a tristeza,

O pêso da lápide que sela meus séculos,

O rouxinol amigo que salta entre as fôlhas.

Aqui, tão quietamente, na eterna espera,

Hei compreendido a enorme, brutal sinfonia

Que o vento sepultado desperta nas aranhas.

Quando na vida era um homem, mas um homem.

Então, quando era, eu me dizia as vêzes :

" Quarenta pasadas de terra é muita coisa

Para tapar um só punhado de cinzas ;

Demasiadamente pouca, para tanta terra. "

Agora me sobra tudo. Só tenho um pequeno

Desvão de pó e turva madeira destroçada,

Aonde vou arrumando meus ossos, meus pedaços,

Nesta sempre noite de minha larga antevespera.

E lhes digo que prefiro êste silêncio,

Êste perene e mudo conhecer de raizes,

A vossa desvelada melodia.

Creiam-me. Com isto já me sobra ;

Com isto e uma neblina levíssima de chuva,

Com isto e uma gota de nuvem chorosa,

Que se filtre e me chova nos lábios já ressêcos.

2007/04/10