Quando Eu For Pó

Quando eu seja um punhado amarelento

De argila, leve, untosa,

Chegará teu andar lento

Até a solidão de minha cova,

E na urna funebre, furtiva,

Porás tua mão suave, fria

Para dar-me voltas

E não chegarás a fazer-me nada

Corcéis humildes, o lúcido floreiro

Nem a sombra de um morto

Nem a imagem de um vivo.

Oh ! Mão querida, de tal sorte

A apalpar êsse frio, todavia

Não ausente, da morte.

Quando eu for pó, branca argila,

Me direi umedecendo de recordações;

Meus gelados despojos

Ficarão calados, mudos

À tíbia maravilha

Das lágrimas vivas dos teus olhos.

E voltarei, a eterna mansão:

O infinito misterioso, insondável;

E tu me darás mil voltas

Me ungirás de esmaltes e brilho;

Não me encontrarás acaso

Nas labaredas de um forno ?

Oh ! Pó de meus ossos.

Com um ardor sonhado

De apaixonantes beijos

Exaltarás minha escória.

Que se romperá ao color, com forma de ânfora

E não terá na sua sêde, a água de um rio

De um manancial, da chuva ou de um lago.

Será pó de novo e em boa hora

Leve, sensível até o dormido alento,

Mais sensível que agora.

2007/04/11