Ao Cotidiano

Fui mas não temia por meu regresso

Porque a minha porta eu sabia de memória.

Fui e voltei vestido de homem.

Acontece que há momentos em que nada

Nos pode devolver o que perdemos.

E então tive que partir. E sempre.

E então tive que viver. E sempre.

Deixei as velhas árvores curvadas

Como os avós ao fundo de uma casa.

Deixei de perguntar, e é um ausente

O que pergunta agora dêsde a alma.

E assim vim a saber como os homens

Levam as costas um profundo hospede,

Como o pão e a roupa são um sonho,

Como tão só a tristeza é própria.

Que a água, o corredor e a escada

Chegam a ser tão profundamente diários

Que é preciso perdê-los para amar-los.

A tarde em que parti não me disseram

Que a dor, é dor estando só,

Que o minuto perdido, o desengano,

As horas em que ontem éramos outros

Nos derrotam a cada instante, e é preciso

Perder um dia, para ganhar no outro.

Que as vêzes não temos mais que o vento

Para limpar os olhos do passado.

2007/04/19