Deus desamparado

Apresentaram-me um Deus

Masculino, branco, velho,

Barbudo, tropicalista, pai,

Não tinha câncer de próstata;

Mas era ranzinza, vingativo,

Frio, calculista, avarento,

Querendo meus dez por cento ou mais

Do meu dinheiro. Capitalista.

Com seus natais e anos novos,

Panetones, perus, vinhos, nozes,

Períodos pascoais, coelhos;

Ovos, chocolates e tudo mais;

Também mantinha, incontinenti,

Seus dias chatos e santos;

Ceias santas e sextas da paixão,

Domingos e festas de São João;

Quentão, amendoim, pipocas;

“Corpus Cristis”, finados; e,

Finado seria eu, no doze,

Se eu não obedecesse...

Eu disse: “ai de mim”.

Graças a Deus virei ateu.

Um dia o encontrei na feira:

Velha, negra, gorda, meio corcunda;

Cheia de varizes na perna;

Sorria e comprava tomates verdes,

Dos que estavam na promoção.

Fiquei com vergonha dele,

Pensei que ele ia se lembrar de mim.

Tinha trabalhado lá em casa,

Poderia vir com intimidades.

Fiquei um tanto confuso, arrependido,

E fui procura-lo pela cidade.

Mas o cabra estava depressivo;

Tinha cara de “paraíba”,

Magro, desdentado e de bicicreta.

Fumava base em baixo do viaduto

E tinha acabado de arrombar

Uma residência e estuprado uma moça.

Deixei ele pra lá... Tá loco...

Carlinhos Matogrosso.

carlinhos matogrosso
Enviado por carlinhos matogrosso em 28/11/2013
Reeditado em 03/12/2013
Código do texto: T4590566
Classificação de conteúdo: seguro