Anacrônico
Para conhecer a natureza humana,
a essência do espírito,
a substância das almas,
quisera eu ser medieval:
oráculo profético do simbolismo,
cavaleiro imperioso dos mitos,
criança perita na arte de sonhar.
Para conhecer sua matéria,
a síntese das carnes,
a química dos corpos,
quisera eu ser moderno:
escravo infiel do empirismo,
cientista de incestuosos ritos,
adolescente em busca de prazer.
Para conhecer, enfim, o Homem todo,
a identidade de sua identidade,
a potência de sua fragilidade,
a efemeridade de sua força,
quisera eu ser um nada atemporal:
um mestre do anacronismo,
um deus com os seus grandes olhos fitos
naquela velha parteira do tempo,
a censurar-lhe o porvir.