O ESPELHO DO BANHEIRO.

O ESPELHO DO BANHEIRO.

Nascido da mãe pra banheira.

Chutaram meu glúteo, meu grito.

Só quando senti os teus seios.

Abri os meus olhos aflitos.

Não via, sentia com a mente.

Era frio, mais ali era quente.

E tudo nublado e opaco.

O umbigo ainda atrelado.

Tiraram-me dela e no berço.

Senti o amargo do feito.

Queria estar na barriga.

E fugir dessa inútil intriga.

Alguns anos depois e depois...

O espelho reflete meu banho.

Meu reflexo, e a água no rosto.

Nessa tarde serena de Agosto.

Mudo como os seres e as plantas.

Mudam hormônios o sexo e as crenças.

Estou parado no adro da igreja.

E um padre sonolento boceja.

No banheiro atras da capela.

Me masturbo pensando só nela.

Coroinha tão vil e covarde.

Que ao ver-te o ventre arde.

Doze anos felizes, brincados.

A menina e o olhar de soslaio.

Quero tanto mostrar meu espelho.

E leva-la pra ver meu brinquedo.

Silueta de sombras e desejos.

Sinto um gosto estranho no beijo.

Nossos corpos tremem e o medo.

Levam sonhos a outros anseios.

Brinco como brincam os palhaços.

O trapézio me faz trapezista.

Domo a fera no centro do palco.

Da cartola a mágica da vida.

Trinta anos de várias estações.

Diferentes imagens, emoções.

Lembro agora que sou uma águia.

Arrancando a pele e tendões.

Como Içaro, alçar novo vôo.

Perto da lua longe do sol.

Perto da rua na luz do farol

Junto de você na isca do anzol.

Tento em vão retocar minha derme.

Repucho com a mão o semblante da cara.

Meio século reflexos de espelhos.

Envelhece prateando os cabelos.

Sessentas invernos depois e depois...

Recordando a minha banheira.

Pele alva umbigos e medo.

E o peito que da aconchego.

Lembro escritos de Mário Quintana.

E do seu saboroso poema.

Que derruba por terra o tema.

Sobrepõe com os sonhos e lendas.

Tudo antes que fui e que fiz.

E o futuro que tenho nas mãos.

Construir minha alma etérea.

E voar com imaginação.

Ter você as estrelas e a lua.

E o sol que meu rosto ilumina,

...Cantando espalharei por toda a parte.

Se, no entanto me ajudar o engenho e a arte.

(Os dois últimos versos são citações de "Os Luzìadas" de Luiz Vaz de Camões).

Honorato Falcon
Enviado por Honorato Falcon em 16/05/2007
Reeditado em 19/07/2011
Código do texto: T489049