RENASCIMENTO INGLÓRIO

Essa noite tive
um sonho deveras estranho:
havia-me, e a quatro titãs e a meus três filhos,
todos a certa distância, entre planícies,
montes e estranhos horizontes.
 
E eu via dos titãs as barcas trincadas,
e eles viam-me com as asas machucadas,
enquanto as crianças viam-nos admirados
sem entenderem a nada.
 
Aos titãs – dois do gênero masculino
e dois do feminino – eu via os olhares de fogo,
os corações de pedra, as palavras-pluma lançadas
e as mãos a esconderem  fios de lâminas
afiadas.
 
E eu lhes queria exterminar
as frinchas que sabiam haver, mas que omitiam
de suas barcas; e às crianças
eu queria recuperar
ainda intactas;
 
enquanto os titãs,
com suas crinas inclinadas,
suas poses heróicas, suas harpas mágicas
e suas soberbias incontroladas,
 
esparramavam imagens
tão fascinantes aos mambembes espetáculos
em que se apresentavam, que as iam
deixando encantadas.
 
E não sei por quê,
ficaram sabendo os titãs que,
depois de mais uma vez ao limite provado,
eu havia sido poupado do eterno
reino apagado;
 
e, embriagados de ira,
quiseram-me provar o maior dos erros
e meu pior castigo: minha pequenez
e minha morte viva na vã
e vil jornada.
 
De repente, tudo se convulsionou:
sobre terras, mares e reinos distantes
riscaram os céus com asas ainda
puras as crianças;
 
os titã,s em seguida,
pousaram-se um pouco além delas,
com suas barcas volantes; e eu me caí um pouco
 antes, com as asas realmente
quebradas.
 
As crianças, então,
ergueram-se puras; os quatro titãs passaram
por elas, abreviando-se em dizerem
que eu era um ser negro que
decaiu em forma
humana,
 
e que, uma vez mais,
tinha escapado da ira inflamada dos deuses,
os quais esperavam pelo justo
acerto de contas;
 
e seguiram-se em meu rumo,
deixando à passagem flores de todas as cores,
e cheiros que perturbavam todos os sentidos
das águias e das formigas que
passassem por perto,
 
como dos pequenos
que se confundiam por entre
as florestas que plantaram entre delas
a visagem de mim.
 
Quando apontaram na esquina
de entre os tempos e espaços, estava-me soerguido
e já de tudo conhecedor do que
haviam dito
 
e feito  ao disseminarem
suas alvas figuras e seus belos, voláteis
e eficazes verbos por entre as searas férteis
as senciências e dos desvarios
sapiens.
 
E então,
vi quando as crianças iam-se
trnando adultas, cada vez mais confusas,
a caminharem por entre as flores e as árvores
que foram plantadas pelas ruas,
passeios e veredas
da vida;
 
e tão confusamente
que lhes chamei atenção para dois buracos
sob meus braços erguidos, tentando
lhes explicar o motivo de minha
grande ausência
 
e lhes mostrar
que não era –  como lhes disseram os titãs –
as minhas disseminações; mas que,
como ocorreu comigo,
 
que se cuidassem,
porque pela palavra e pelas ilusões
de mitos e lendas criados é que poderiam incorrer
as maiores quedas de suas vidas.
 
Sem ser ouvido, bradei, enfim:
“Sou eu, seu pai, meu filhos; sou eu!”;
enquanto se riram desdenhando os titãs que já lhes
havia envenenado os puros
sacrários.
 
Neste momento,
pus-me a olhar a lendária barca,
por onde sempre voavam essas criaturas,
nvertebradamente criadas por homens
tão  inglórios como eu;
 
e me caminhei a ela
– à barca – com uma ira tal que deixava negro
o chão por onde passava.
 
E me pus a destruí-la
e a desmantelava quanto mais se riam os titãs
e mais choravam meus filhos pela inconteste prova
de minhas imanências abnormais
e espúrias,
 
sem perceber que estava, assim,
condenado pelo resto de meus tempos, a lutar
e a me prostrar, mesmo na frente
dos que mais amo,
 
contra os reflexos avessos
de mim mesmo.



Péricles Alves de Oliveira
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 15/09/2014
Reeditado em 18/09/2014
Código do texto: T4962751
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