O ESPANTALHO

Na ampulheta,

Onde situações adversas

Toureiam e duelam

Engolem, retorcem e quebram

Os ossos frágeis da dúvida.

Montes de areia movem-se,

Soterrando o nada

Onde está aprisionado

O espantalho reencarnado,

A cada nascimento, ressuscitado

Nos corpos iguais,

O mesmo corpo pútrido, gasto

Na mesma alma fétida

Os grãos, como serras

Rasgam a carne impura

E o sangue jorra, azul,

Pela boca, como baba de louco

Borbulhante como um champagne

Tenta ainda ver o que se passa

- Tudo passa, tudo é superado -

Mas os olhos só vislumbram o vazio

E tremem, revirando-se

E arregalados, derrubam uma lágrima

Como que suplicando:

- Pare com tanta dor!

O homem que segura a ampulheta

Ri com escárnio do berreiro

E repentinamente para o movimento frenético

O espantalho então,

Cessa o enorme clamor.

Tenta levantar-se, deixa escapar um gemido

E com as mãos juntas, como que em reza

Grudadas de sangue e areia, pede piedade!

A ampulheta se mantém suspensa no ar,

Imóvel, nas mãos do criador

Este pousa seus olhos doces sobre o espantalho

Balança a cabeça como quem diz

- Que pena...

O espantalho sorri e gargalha enlouquecido,

Seus olhos brilham em felicidade plena

E numa contração desesperada

Seus músculos, numa só estirada

Põem-se a trabalhar.

Poesia feita por Hugo Leonardo.

Meu filho,23.

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 04/06/2007
Reeditado em 03/10/2009
Código do texto: T513657
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