DEVANEAÇÃO

Tiro a venda dos olhos, escarneço de mim , sôfrego , desejo a dor.

Troco juras de amor com a morte, refaço os passos , reclamo da sorte.

O ser que habita meu corpo é minha cópia do avesso.

Rolo pela cama , levito meu espírito. Ruim ou bom, toda vírgula tem seu preço.

Dois em dois meus pensamentos se desfazem, chorar pra nada é o que resta.

Restos de mim esparramados sobre uma mesa posta, lágrimas infantis mesmo velho.

Semblante sem igual, calmaria, lodo e pensamentos escusos , bandido ou réu.

Mente seca num corpo são. Eis o que sou, poesia numa estopa suja...

Tenho dó de mim, tenho pena do que vou ser . Sou forasteiro em mim mesmo...

Tenho a alma ingrata , tenho filhos. Sou branco e preto. Apago a vela com os dedos.

Sento num precipício e rezo, choro pôr quem me ama e espero.

Quando chego vou embora, permaneço sem estar presente. Sou lento e ausente...

Sou dizimal ,sou pecador. Respeito a morte e encaro a dôr...

Leio teus lábios , provoco um calafrio. Pensamentos fluindo tal qual o leito de um rio...

Porque me chamas? Porque me amas?

Não entendo tua linguagem , derrapo. Suporto a chuva e a estiagem...

Pobre de quem sente assim, como raios num céu sem nuvens. Aflora a mágoa.

Pensei em toda a minha vida ,

E não vivi mais do que o tempo que se leva pra se tomar um simples copo dágua.

Queria poder passar para o papel toda a minha alma , toda a minha calma...

Letras se confundem. Sem espaços vomito um texto, pretendo dar o que acho que mereço...

Pegue minhas mãos , sinta os batimentos . Antes que meu sangue se esvaia no tempo...

Logo mais acalmarei meu espírito , tentarei não pensar como num dia fatídico.

Certos são os que morrem, penso nisso as vezes...

Pessoas comuns viram lendas, passos errados são eternizados .Vidas se cruzam .

E o que sou?

Sou um saco de ossos numa venda de esquina, sou poeira.

Sou quem te mata aos poucos, sou quem acho que sou.

No sonho que tive , na vida que levo . Pedaços de vidro em meio ao que como.

Afazeres tenho muitos , labuto o pão. Mais quantos iguais a mim não lambem o chão?

Qual teu pedigree ? Qual tua linhagem? Qual teu sangue ?

Não te arranco um sorriso , não te faço dormir!

Mas sei que a terra me aguarda , então abaixo a guarda...

Tropeço na língua, sou quem mais te quer . Sou palavras ao vento, sou a dor do momento...

Pobres podres pensamentos , linda lua esta noite, parei o tempo...

Devaneios escuros , lentos e impuros. Tome parte hoje ainda enquanto a lua se faz linda...

As vezes falo outras línguas, as vezes penso em outros idiomas.

Línguas mortas, frases tortas . Palavras sem explicação , expiação...

Parte da minha vida se foram num instante, pedaços menores ficaram rasgados ,

Rostos desfigurados.

Esta noite desci as catacumbas, me esgueirei pelos corredores escuros.

Senti frio , medo , raiva, pequenos ódios de infância encontrei agora já maduros.

Pesquisei em minha mente algo que me penetrasse,

Que me mostrasse o porque do frio da alma.

Respostas escuras povoaram meus temores.

Sentimentos desconectados tiraram minha calma.

O poder que sai de mim é o que me corrói e lentamente me destrói.....