DESAMPARO
Oh manhãs, virginais manhãs
Que morrem quando mais as aprecio
Traga-me teu manto acalentador
Quero aninhar-me nele e fugir do frio
Te peço não vás embora!
Afague meu espírito, como uma mãe fraterna
Vem que anseio pelo teu frescor
Quero-a com toda imprudência do meu coração
Beija-me brandamente, segura minha mão
E deixe-me estar na sua terna regularidade
De sua mansidão
Não me deixes!
Põem-me de volta nos passos da esperança
Se houver esperança alguma
Faça de forma sutil e embala meu espírito agitado
Oh! Tardes de desalento
Oh! Tardes cinzas de chumbo
Extravasa-me com tua melancolia
Vem com tua possibilidade austera
Deixa-me estar só comigo, a descobrir-me,
No infinito sentido de teu silêncio
Ou silêncio infinito do teu sentido
Oh! Fogo lento de eternidade
Vem com tuas infinitas possibilidades
De todos os lugares
De todos os lugares possíveis!
Oh turbilhão de vagas
Oh mar revolto e indômito
Oh vida indomável
Explosão atômica, navios que afundam no mar
Oh noite insuportável das galeras
Oh carrasco negro do tempo
Decepa-me, com tua lamina fria
Denuncie a grande mentira
Que escorre dentro de mim
Desata meu sangue dos túneis de minhas veias
Vem, insano destino há quem me acho atado
Vem com as vozes que amedrontam
A cantar meu desalento
Vem desespero...vem com tua irracionalidade vã
Vem, meus irmãos, os deserdados
Guardemos nosso ódio, vamos juntos
Vamos na infanta ciranda
Cantar as desolações de nossas almas
Meu coração ainda treme
Com os cânticos dos vencidos
Oh! Companheiros
Vamos nos dar as mãos
Para resistir o cadafalso
De mais uma existência
Vamos de mãos dadas, juntos
Vamos que a inocência se foi
E levou nossos sonhos
Deixando seu rastro de dor
Oh América do sul vazia e ensangüentada
Oh meus irmãos sul americanos
Tens nas mãos o estandarte dos humilhados
E o ultraje da miséria no seus rostos
Seus olhos foram arrancados, enquanto sonhavas
Todos os seus sonhos estão comigo, enterrados no meu coração
Oh! Amor morto, que jaz em meus braços
Oh! Mundo tão vasto, tão frio,
Tão fecundo, tão impúro,
Tão imundo,
Segue teu destino involuntário e cruel
Toda a luz...!
Toda luz do universo não clareia
Seus portos nem me destino.