Diálogo Inesperado

Serpente, onde estão tuas maçãs?

Ah! Tu não és perfeito!

Dá me teu veneno, tua malícia!

Só me peças o que podes perder.

Tu, gato preto, és apenas espírito

Queres virar homem para quê?

Morder a maçã é viver faminto

Sabes o que a fome pode fazer?

Insistes em falar de morte!

Eu digo: “A morte não existe!”

Acaso algum morto chegou a ti

e confessou :”eu morri”?

Quem falou em morte?

O que é realmente existir?

Como? Estás vivo?

Então também estou!

E o que te disse o vivo?

Encontraste algum? No deserto?

No deserto só o demônio furtivo

E ele ri ainda, julga-se esperto

Então, onde estão tuas maçãs?

Tu me tentas. Prova meu desprezo

Ah! Eu sei o que é amar uma serpente

Deste amor nada tens a esperar.

O amor nada tem a oferecer!

Eterno receber sem nunca ter dado

Débito contínuo que gera fome

Com a própria fome ficarás saciado.

Tu não tens maçãs, és apenas maldita

E tu não? Teu deus te abandonou

Mas minhas maçãs acabaram afinal...

Ora, e também minha culpa!

O que aqui fazemos, Serpente?

Esperamos pelo amanhã?

Ah! Nem sequer o hoje existiu!

O que é realmente existir?

Eu poderia ser muitas coisas,

Mas não quero ser mais nada

É o cansaço, ou teu veneno a agir?

Não estás cansado, apenas desistes...

Nem sequer o hoje existiu!

Vivemos ainda o ontem!

E amanhã será ontem de novo

Sim, meu veneno te fará desistir

Volta, volta para o escuro, gato preto!

À noite todos precisam de ti!

Volta, pois voltarei para o deserto

Lá, e só lá, irei me confessar

Ah, Serpente, estás a mentir!

Como é grande tua malícia!

Como te invejo, como te amo!

Dá-me, depressa, tuas maçãs!

Enroscada na árvore, a serpente sibila...e sorri...