Em meu caminho

No caminho havia uma pedra, havia uma pedra no caminho.

Haviam caules espinhosos, havia lama e animais em decomposição.

Haviam árvores esqueléticas que denunciavam a crueldade da natureza.

Havia sofrimento, havia dor, havia tristeza.

Havia o remorso, a melancolia, havia aflição e desesperança.

No caminho havia um menino, com o coração nas mãos.

Parte dele estava faltando, sua boca coberta de sangue.

Seus olhos eram negros e transbordavam uma substância escura.

Irradiavam o vazio em sua alma.

O menino tentou gritar mas não produzia qualquer som.

O menino tentou acenar mas viu suas mãos se desfazerem como um punhado de areia.

Por ali passava uma donzela, de baixa estatura.

Caminhava com leveza, sorria pelos ombros.

Uma flor ela pegou, e colocou-a no colo do pobre menino.

Ele sorriu com seus dentes podres e tentou agradecer.

A donzela lhe retribuiu o sorriso, apesar de dúbio.

O garoto salivava, olhando para baixo.

Sentiu algo lhe picar, e procurou olhar onde estava o espinho.

Mas nada viu. Nada viu o menino.

A donzela inclinou a cabeça e sorriu ainda mais.

O garoto, confuso, tornou a olhar o caule com perplexidade.

Sentiu mais uma picada, agora em outra parte de seu corpo.

Ela então somou-se a outra, que se somou a outra.

Multiplicaram-se em um milhão de ferroadas.

Agora ele transbordava em sangue, por incontáveis buracos em sua pele.

Dos buracos saiam galhos envelhecidos,

De sua boca saíram as folhas amareladas.

O menino agora estava crucificado,

Em uma estranha forma de vida vegetal.

Seus olhos, esbugalhados, acompanhavam a donzela,

que saltitava pelo bosque degradante.

Cantarolava uma canção doentia.

Gargalhava de maneira doentia.

Mas era belo, pensava o menino,

Enquanto agonizava, moribundo,

pelos últimos segundos que sua existência infrutífera lhe concedia.

Rafael Gonçalves
Enviado por Rafael Gonçalves em 29/11/2017
Reeditado em 29/11/2017
Código do texto: T6185045
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