Na hora do lobo
Já era hora quando desci e caminhei até a ilha que encontrei embaixo da minha cama
Estavam lá. Todos os poemas ainda não escritos, os contos narrados em sonhos, pessoas que nunca conheci e carícias que nunca trocamos
Embaixo da cama
Havia uma ilha.
(relâmpago, na parede a sombra de um animal ao longe)
Eu esperei o longo último minuto, aquele que separa o hoje do amanhã, para percorrer a trilha que encontrei embaixo da minha mente
Eu cheguei em algum lugar, e eles estavam me esperando
Ou ignorando, é o que fazem de melhor.
Falava com eles, mas eu não existia
Para os meus pensamentos eu era uma ilusão
Aquele mundo era deles.
Estava à procura de ideias, elas corriam da minha sombra
Consegui segurar uma pelas asas, mas ela me mordeu com alguma coisa muito pior do que dentes
E encolheu-se de volta nas sombras
Embaixo da minha mente
Havia uma trilha.
(cortina branca tremulando suavemente, por trás dela olhos amarelos se aproximando)
Eu estendo minha mão e toco apenas fantasmas, não os toco
Mas eles podem me tocar, me acariciar, me ferir.
Eu consigo sentir, nessas horas, muitas mortes
As minhas criações tremeluziam, ardiam e gritavam antes de morrerem sufocadas embaixo das folhas de papel.
(a porta se abre, e não é o vento da noite, mas o hálito dele que morde a minha carne)
Os meus esforços só parecem erguer mais e mais uma muralha no fim da ilha, no fim da trilha, no fim da minha mente
No fim do mundo
Volto sozinho da jornada com ponderações ecoando nas sombras de um silêncio de pedra.
Eu sinto um animal devorando os meus pensamentos
Eu me encolho, quieto, enquanto ele faz o seu trabalho.
Olho para cima. Agora ele possui o meu corpo, o meu rosto e minhas ideias
Ele parte para a noite. Eu fico, seco, sem conseguir lembrar o meu nome, nas raízes de uma árvore farta de folhas em branco.
Eu perambulo. Agora possuo quatro patas e uma cauda, o chicote negro da meia noite
Eu espero a minha hora.