O poeta atende à inauguração da nova companhia telegráfica
I
O fino fio do deslumbramento está pedindo para romper-se.
Eventualmente, mesas, cafés da manhã e entretenimento
vão se repetir em fatos como slides envelhecidos,
perdidos numa cronologia aleatória de algumas semanas.
A memória perde-se ao longo do tempo, mas
se não há nada para se lembrar, não há mais nada para se perder.
Pratica-se justiça social em nosso intimus:
A memória vazia é uma forma de igualitarismo.
Veja: toda paisagem pastoril apenas se lembra do sol
escaldante, e da Lua, que acalma o seu capim selvagem,
e que garante que este cresça sempre forte,
assim como eu me lembro apenas de teu sorriso
no rosto e nada mais, antes de ler um livro
qualquer, como esse, para depois pôr-se a deitar.
II
Não acredites, tu, no calor dessa amizade.
Entre botas, chapéus, chalés
e couros só existe o silêncio, interrompido
pelo grunhido da gaivota.
Se nos encontramos nesse porto, é porque zarpar
já se tornou um eufemismo para todos os desencontros
que se estabeleceram ao longo dos anos.
Cronos e Réia não navegaram imaginando que um dia
o sonho seria interrompido pela tempestade
de um oráculo inevitável,
mas mesmo assim temiam que as ondas
fossem grandes demais no alto-mar.
A gente às vezes tem dessas manias:
se banha, e observa por fora
da janela todas as pombas
que não mais levam mensagens para o além-mar.
Faz de conta que se submerge,
um dentro do outro,
ligados através dos oceanos
por um telégrafo humano,
unicamente umbilical, afinal
III
problemas à distância
não foram feitos para serem contactados.
Mantém-se obscurecidos pela lembrança,
enquanto materializar-se-iam (e sempre da maneira pior possível)
as verdadeiras lambanças.
IV
Já, amores não-resolvidos,
se compõem de suor, lágrimas e sussuros ao pé do ouvido,
que a partir do prazo corrido,
encarregam-se de transformar em ecos repercutidos.
O problema, nunca foi tão grave, o de se permanecer iludido.
Pois um dia,
Elvira lembra-se daquele velho vestido florido,
escondido no fundo do armário,
e Magalhães reencontra a pátria,
antes de morrer nas Filipinas.
A isto chamamos de circunavegação.
V
Julgo os extremos pelas pontas.
Se me serve, eu limpo minhas orelhas,
e torno-me oblíquo para o externo.
Quase sempre vou crescendo e expandindo-me e aquela
saída vai transformando-se pela mutação
de minhas mãos e de meu corpo.
Infelizmente, nem sempre a ponta do iceberg,
ou aquele fiorde revelam um ecossistema
óbvio- então eu volto minhas mãos ao berço
e durmo.
Se desta biogênese patética eu absorver
um tanto quanto de alento,
desejaria por um instante até
ficar mais atento.
VI
Abriria a boca para:
mais do que um simples bocejo,
menos do que um complexo desejo,
sem incorrer-me em inutil gracejo.
Se o viés do amor é o sonho
o real apenas mutila as carnes;
e todo sonho é desejar que, se entrerecortando os músculos da face em sorrisos,
o corte se transmute em miragem.
Panaceia.
Mas eu abro a boca e engulo um mosquito,
A sabedoria popular não me salvaria dessa desgraça.
Pelo contrário, esquecer-se-ia de que da boca sairia a minha alma
para um novo vertebrado infectar,
num ciclo de palavras efêmeras contagiosas,
expoentes de um carinho vão e tétrico que assola a biosfera.
Ou algo do tipo.