Escalope de ... Cadáver
. Cadáver em escalopes
.
1
Não sei muito bem
mas parece que tenho para aqui
uma encubação esquisita.
Logo à partida
a outra chamou-lhe mórbida.
O que é que se há de fazer ?
A ponta da meada é o que é,
de essência terminal
ou de ponto de partida,
até de indiferença
ao existir do novelo.
Terá em si a coloração
de estar-se nas tintas,
à margem da sua imagem
nem que fosse de escalope
de um cadáver qualquer.
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2
O que é mórbido e esquisito
é o sem sentido
a tresandar de injustiça.
Ah!, se eu pudesse ouvir
as vozes que se aturdiam,
desconsertantes,
na Brasileira do Chiado,
na noite em que eu nasci.
Eram falas de uma encubação,
a do tal cadáver esquisito,
talvez, ok!, a modos que
mórbido! Sim!, talvez!
.
3
Aquele pedaço de realidade
ia vivê-lo como uma alegoria
de todo irresistível
entre lapidada e delapidada
e isso,
por cada face da noite,
e isso,
se eu pudesse ter estado,
então,
na Brasileira do Chiado,
de atenção embriagada
no encubar da coisa bizarra
no encastrar de espirais
ou encadear de monólogos
com silêncios eloquentes.
Por entre paredes,
entre gentes remotas,
no recôndito de penumbras,
chamas emboscadas
em mim, a assumir um míto.
Haja um requiem, em surdina,
por Alexandria!
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4
E tudo que a intemporal musa
canta, por ser antiga.
Diga-se, carinhosamente,
por ser velhinha.
Ela e o outro solista,
outro veterano, que é o vento.
Tem tudo a haver,
numa certa teia
infinitamente tecida
de protagonismos discretos.
Como o da cena de um tropel,
assombroso de fantástico,
no eterno desfiladeiro,
de uma certa alma.
A do ancião peregrino
sempre num deambular
p'la exaustão de um calvário
o das mil gargantas ecoantes
da mais velha lamúria
do principio dos tempos.
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5
Alguém diz à minha direita
que isso passa tudo, "na boa!",
com um copásio de vinho,
velhinho, de preferência.
Nunca cheguei a validar esse dado
mas no surreal daquele momento
só perguntei o que "passava"
com o tal vinho velho.
À minha esquerda explicaram:
"...A velha lamuria, Meu!"
à direita objectaram:
"Tem dias em que piora a lamúria!"
Pelo que, a ideia passou a ser
a conversa ficar assim
por ali.
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6
Ostensivamente,
de uma janela ao fundo da mesa
ao fundo da sala,
ao fundo do pasmo,
assim, à queima roupa,
faz-se imperiosa
a primeira directiva:
"Não se deve entrar em diálogo!"
Restabeleceu-se, então, o silêncio
à minha direita e esquerda.
E, logo, da mesma janela
a segunda imperiosa
fez-se directiva e também assim,
como que de chofre:
"A questão é o cadáver esquisito!"
.
7
Shht! Silêncio !!!
Façam evacuar o absurdo,
que o cadáver está a encubar.
Não o acordem, que é pequenino
e, enfim, fagueiro.
Mas mais:
ele é titular de um estilo
muito próprio de simpatia
ainda e mesmo que,
do supor de coisa macabra
ao pressupor que massacra,
a simpatia resulte
numa cena bizarra.
Ora, por decorrência
do que é arbitrário
estas nuances
passam despercebidas
entre o aleatório e o contrário.
É que o absurdo não desarma
e resiste, estóico
como um teorema. Pois!
O absurdo é do carraças!
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8
Ao fundo, na tal janela,
já alguém estabelece as regras
de brincar ao cadáver esquisito.
Outro alguém pede cadeiras.
Outro, mais, pede copos
mas não foi bem entendido
e trouxeram-lhe mais corpos.
Ah! e a outra a insistir
que é tudo macabro.
Eu acho que só faltava uma vela,
das que se acendem
por causa do fumo dos cigarros.
Faltava mesmo!
.
9
Lá acendi o nico de chama
e, sim!, o fumo dissipou-se
e tão subitamente
que foi inquestionável a noção
de estar, só então,
a abrir os olhos
como que a acordar e a sentir
que hoje a chuva voltou a molhar
os teus cabelos.
Que ela se derramou por ti,
num algures que não vislumbro
e, empática, escorreu por mim.
Juro que a senti
mesmo se foi sentir desbotado
a dar para o triste,
por não ter visto a chuva
molhar-te os cabelos
pela manhã.
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Agosto98