Ponto cego

Sei das tuas noites de insônia

Conheço os goles de água

Que tua boca sedenta

Bebe como se estivesse

Saboreando minha saliva

Conheço teus suores noturnos

Teus banhos gelados

Esse olhar perdido na escuridão

Sei dos passos no quarto

Nas mãos passadas pelo cabelo

Ou mesmo acariciando os versos

Os poemas que te fiz estão aí

Falando por mim, gritando por nós

Sei também do abismo que temos

Da distância aveludada do tempo

Da época errada em que nascemos

Em que fomos um do outro

Sei das horas de fuga, dos voos

Das estradas absurdas que percorremos

Dos perigos sabidos, confessados

Sei do barulho da brisa que te beija

Das gotas de água no teu corpo

Dos gritos contidos na tua garganta

E da vontade absurda de estar aqui

Sei dos abraços perdidos no ar

Imagino o vinho tinto descendo

E o sabor vermelho do beijo não dado

As mãos trêmulas segurando a taça vazia

Sabíamos que chegava a hora

Quem saiu primeiro?

Quem olhou para trás?

Quem embarcou mais rápido?

Quem pegou o primeiro trem?

Não saberemos nunca

Nos perdemos assim...

Pegamos voos diferentes

Em diferentes portais

Atravessamos em diferentes turnos

E agora sei que foi necessário

Entendi que tenho que seguir

Perdão por não insistir, desistir

A partida foi a solução

Quem sabe um dia

O mesmo destino

Pregará a mesma peça

Aquela em que te encontrei

Naquele capítulo que inventamos

No parágrafo em que ficamos

Você sabe onde estou

Para chegar aqui existe trem

Avião, carro, navio....

Só falta encontrar o portal

E, este só aparece, quando estamos

Prontos.

Ana Maria de Moraes Carvalho
Enviado por Ana Maria de Moraes Carvalho em 27/03/2020
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