A Fila

Vamos colocar as camas

de todo mundo sobre a calçada,

uma após a outra, uma sucessão.

Não dariam todas na mesma rua,

consideradas também as dos que já se foram

ocupadas hoje pelos herdeiros, sucessores

ladrões, aproveitadores de plantão.

Dariam a volta ao mundo.

De casal, de solteiro,

de cristal, de açougueiro;

o ano inteiro

as usadas no mosteiro

para fornicação;

descontadas as que apodreceram,

se queimaram, ou derreteram

no incêndio da expiação,

prontas agora pra não estarem molhadas

pelo orvalho da madrugada

ou não irem na enxurrada

da próxima chuva de verão.

Colocadas as camas

de todo mundo sobre a calçada,

vamos saltar sobre elas sorrindo,

correr por cima delas, fugindo

do vento que vem desarrumar nossos cabelos;

pelo menos completar a maratona

milimetricamente aferida

já que, sem termos saída,

não vamos conseguir dar a volta ao mundo.

[Este texto pode ter sido escrito

apenas pra justificar o seu título,

diriam os amigos que não tenho

lá da zona rural.

Só “quero uma casa no campo”

que tenha pelo menos

uma cama de casal].

Rio, 08/01/2005