Botões

Abotôo minha camisa.

Meus botões falam-me sobre

Coisas que nunca vi.

Em meu bolso o lenço aconchega-se.

Com ele cubro as farsas, mantenho-o

cheiroso para não haver desconfianças.

A gravata é fina, laço clássico ou simples,

É só enfeite, não me preocupo.

E os sapatos engraxados brilham,

ostentam o seu coro, não sei qual a vida que tiraram,

mas hoje andam vivos por aí.

Sobre a escrivaninha papéis avulsos,

Jogados, amarrotados, que tentam recuperar

algo que não me cotam.

O vaso com as flores murchas.

Percebo vida como flores, se não há verdade

e vida, não há motivo para viver.

Livros, dicionários, querem contextualizar

poesias, querem definir meus medos,

querem em palavras, sentir o que não sinto com o coração.

A janela escancarada deixa o vento passar,

E um frio, quase irresistível, perpassa

Minha mente quente e sozinha.

O espelho ao lado do quadro sem arte

Reflete outros espelhos, reflete meus olhos,

Reflete paisagens que nunca antes foram contadas.

Ouço ao longe uma voz, que grita ou canta,

Essa voz diz algo endereçado à mim, meu sangue

Não decifra essa mensagem.

Um bebê engatinha na sala,

Um cão pára na esquina e observa

O correr da vida.

Continuo a abotoar meus botões,

Que me contam das duvidas que deixei passar,

Das respostas que não agarrei.

E avisam-me:

- Saia da rotina!

Freitas de Carvalho
Enviado por Freitas de Carvalho em 23/06/2006
Reeditado em 22/12/2006
Código do texto: T181163