A DERIVA
Saí de dentro de mim para me observar,
Andei por caminhos vagos, cheio de atalhos
Me perdi por estradas desconhecidas,
Neguei-me a visão de minhas virtudes
E o reconhecimento de minhas incertezas
Fingi não me conhecer, surtei.
Olhando assim de fora pra dentro
Engoli a seco minhas palavras
Sou o alvo escolhido, o prato preferido
De quem não tem seu próprio paladar,
Sou o incômodo materializado,
Na curta visão do cego disfarçado
O nariz além do seu palmo
Da medida inexata de sua matemática burra
Sou doença crônica, sem cura
A cura prometida, a loucura
A insensatez dos atos despercebidos
A percepção aguçada e pura.
Por quais caminhos andei?
Não sei.
Sou um amontoado de carne, ora em meu prato
Ora no prato alheio, alimento certo dos vermes que
Habitam meu corpo, mantêem minha massa viva
Casa de minha alma, se é que a tenho,
Desgoverno de meus prazeres, de minhas
Dores escondidas, habitat de meus sorrisos e
Lágrimas, glórias e infâmias, ainda que contando a dedos
Mais infâmias do que vida.
Me perdi sim por estradas desconhecidas,
Ainda bem, sou pioneira de mim, me permito
Eu mesma os meus caminhos, como cigano
Na beira da estrada, pego carona com a vida
Levo na mochila um par coragem, uma dose inteira
De certezas, alguns pacotes de dúvidas
A estupidez necessária e a covardia que me faz dar
Um passo atrás, acende meus sentidos
E como um bicho que se apronta para o ataque,
Me póe em vigília.
Engulo os sapos que me servem
Como fontes de verdades, incoerência absoluta
Com o meu eu, deixo minha alma ao avesso
Nego minha existência a qualquer preço,
Traio-me antes que o galo de minha
Consciência cante e ao amanhecer
sou cinzas, não me reconheço,
vendida a que preço? Sou então
o resto de mim, de minha boca fechada,
sou o meu próprio Judas,
engasgada em minha próprias palavras,
mais um ouvido mouco,
mais uma surdez necessária,
o silencio sem escrúpulos
o exílio em minha sala.
Andando então me encontro a deriva
No meu próprio tempo, naufraga
De Meus pensamentos, absorta em
Minha própria alma, enquanto estrelas
E querubins celebram a vida entre o
Céu e o inferno, sou apenas um elo,
Um nó, um adereço.